“Quando o assunto é comida, é sempre melhor sobrar do que faltar”, essa é uma frase comum entre as famílias brasileiras. Mas refletindo sobre isso, me pergunto: será mesmo que é sempre melhor sobrar do que faltar? E se sobra para alguns, não falta para outros? Sempre que pensamos em sobrar comida temos que considerar que uma parte dela pode acabar indo para o lixo. Nos países latinos é cultural o hábito da fartura, muitas datas comemorativas são marcadas pela realização de verdadeiros banquetes. Entretanto, o excesso na compra do mês e o escasso planejamento das refeições extrapolam a conta e, no final, muita comida acaba indo parar na lixeira.

Primeiramente, quando falamos em resíduo orgânico domiciliar estamos falando de qualquer material de origem biológica, seja ele animal ou vegetal. Portanto, isso inclui partes de alimentos não usadas no preparo de refeições (cascas e partes danificadas, por exemplo), restos de refeições, filtro de café usados, guardanapos engordurados, papel higiênico, folhas secas, restos de poda, serragem, entre outros. Todos estes resíduos podem ter diversas destinações ambientalmente adequadas. Entre elas, está a compostagem, que é o processo natural de decomposição gerando adubo. Existem muitas técnicas que visam acelerar esse processo, como os biodigestores e a vermicompostagem. Apesar disso, grande parte desse tipo de resíduo continua indo para aterros sanitários ou ainda lixões.  

Ao contrário dos resíduos recicláveis secos, como os plásticos que discutimos na semana passada, os orgânicos se decompõem rápido, por volta de um ano. Contudo, isso não é razão para despreocupação! Quase metade (45,3%) de todo o resíduo sólido urbano produzido é de lixo orgânico, o que corresponde a 170 kg de matéria orgânica gerada por pessoa ao ano [1]. Uma das grandes razões para esses valores exorbitantes está ligada ao desperdício de alimentos. 

Foto: Pierre Duarte/Ed. Globo

Em países emergentes como o Brasil, o desperdício está presente em toda a cadeia produtiva de alimentos. Há perdas significativas desde a lavoura até o produto final que chega na mesa (leia mais sobre isso em nosso texto: Desperdício de alimentos: como mudar este cenário? – Ciência Informativa). Vale citar que quando a comida  vai para a lixeira, também é desperdiçado tudo que foi usado para produzir aquele alimento. Tudo entra na conta, a terra utilizada para cultivo, rações e pasto no caso de animais, água, mão de obra, combustível para mover as máquinas e até  gás de cozinha usado no preparo das refeições. Quanto mais comida desperdiçada, mais de tudo isso será necessário para suprir a demanda. Além disso, ao falar de desperdício de alimentos é inevitável não se deparar com uma causa social, a fome! 

A luta pela redução de resíduos orgânicos está diretamente ligada à luta contra a fome. Neste momento de pandemia pelo qual passamos, disparou o número de pessoas que relatam um estado de insegurança alimentar, isto é, pouco acesso a alimentos e por muitas vezes em baixa frequência do necessário para uma boa nutrição. Atualmente, em dados gerados pela Rede Brasileira em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN) são 116,8 milhões de brasileiros que relatam algum grau de insegurança alimentar, isso equivale à população de duas Argentinas. 

Diante de dados tão alarmantes, o ato do desperdício é ainda mais grave. Espero que com a leitura desse texto, possamos ter mais consciência em relação ao que perdemos quando jogamos comida no lixo. Com mais conhecimento sobre o tema, refletirmos melhor sobre o impacto de simples ações do nosso cotidiano. No texto da semana que vem vamos abordar um pouco sobre algumas soluções para o lixo urbano.  

Por Maria Moura 

mariamoura.biology@gmail.com 

Material complementar: 

Ilha das flores (1989), de Jorge Furtado**

AVISO: Este conteúdo pode afetar um público mais sensível. 

OLHE PARA A FOME, Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil Rede PENSSAN.

REFERÊNCIAS:

[1] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EMPRESAS DE LIMPEZA PÚBLICA E RESÍDUOS ESPECIAIS. Panorama dos resíduos sólidos no Brasil 2020. São Paulo, 2020. Disponível em: https://abrelpe.org.br/panorama/  

[2] SILVA, Berenice et al. CRITÉRIOS TÉCNICOS PARA ELABORAÇÃO DE PROJETO, OPERAÇÃO E MONITORAMENTO DE PÁTIOS DE COMPOSTAGEM DE PEQUENO PORTE. Santa Catarina, 2017. 

[3] ZOTESSO, Jaqueline; COSSICH, Eneida; COLARES, Luciléia; TAVARES, Célia. Avaliação do desperdício de alimentos e sua relação com a geração de resíduos sólidos em um restaurante universitário. ENGEVISTA, V. 18, n. 2, p. 294-308, Dezembro 2016. Disponível em: https://periodicos.uff.br/engevista/article/view/9068 

[4] RODRIGUES, Paula. Os desperdícios por trás do alimento que vai para o lixo. Embrapa Hortaliças. Segurança alimentar, nutrição e saúde. Brasília, 2017. Disponível em: https://www.embrapa.br/hortalicas/busca-de-noticias/-/noticia/28827919/os-desperdicios-por-tras-do-alimento-que-vai-para-o-lixo

[5] Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, 2021. Disponível em: http://olheparaafome.com.br/ 

[6] Lixo orgânico: desafio para a gestão de resíduos no Brasil • Eco Circuito 

Créditos de imagens:

Imagem em destaque: Photo by Del Barrett on Unsplash

Imagem no corpo do texto: Pierre Duarte/Ed. Globo. Disponível em:  Famílias brasileiras desperdiçam até R$ 171 por mês em alimentos 

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