Como a ciência pode aproveitar os conhecimentos folclóricos de um povo? Saiba mais no post.

Nos textos das três últimas semanas vimos como a ciência pode explicar algumas das lendas mais populares do folclore brasileiro e mundial. Mas será que a ciência pode aproveitar de conhecimentos folclóricos também? 

A resposta é sim! Vejamos um exemplo. A tuberculose é uma doença transmitida pela bactéria Mycobacterium tuberculosis (bacilo de Koch) e é uma das principais causas de morte por doenças infecto-contagiosas no Brasil. No mundo, é provável que mais de 30% da população mundial tenha tuberculose, embora alguns não desenvolvam os sintomas que incluem tosse persistente por mais de 2 semanas, sudorese, febre e falta de apetite.

Um dos grandes desafios no tratamento da tuberculose é que alguns remédios deixam de fazer efeito por conta da resistência que a bactéria passa a apresentar; além disso, por ser um tratamento longo, muitos pacientes deixam de fazê-lo antes do tempo. Com base em alegadas propriedades medicinais, que são contadas em lendas folclóricas da Índia, pesquisadores testaram a eficácia das plantas Mucuna imbricata (figura 1) e Alstonia scholaris. Em estudos feitos em camundongos, que tomaram os extratos das plantas por apenas 2 semanas, os pesquisadores concluíram que houve uma diminuição considerável na presença das bactérias nos indivíduos tratados; portanto, tais plantas têm um grande potencial para serem utilizadas como base para alguns tratamentos contra a tuberculose.

Segundo os pesquisadores, é muito importante que se preste atenção ao conhecimento folclórico e popular a respeito das plantas pois, além da importância dentro de um ecossistema como um todo, muitas podem ser fonte de novos remédios e produtos. Uma pesquisa exploratória conduzida também na Índia descobriu mais de 36 espécies de orquídeas que têm potencial medicinal e são comumente usadas pela população no tratamento de várias enfermidades. É claro que pode ser que parte dessas plantas não tenha efeito algum no tratamento de doenças, mas é igualmente provável que algumas tenham, sim, um grande potencial farmacológico.

Figura 1: Mucuna imbricata. (fonte: https://www.iiim.res.in/herbarium/papilionaceae/mucuna_imbricata.htm).

Lendas do folclore e possíveis consequências ruins

Então, o folclore pode ajudar na medicina e em outras áreas da ciência, como vimos pelos exemplos. Porém, muitas vezes, ditados populares e lendas folclóricas podem trazer consequências ruins. Morcegos, por exemplo, são infelizmente associados à escuridão e ao mal. Em Portugal, lobos são tidos como criaturas sanguinárias, comedoras de seres humanos e raivosas; não é à toa que, segundo uma pesquisa, eles são um dos animais mais temidos neste país, o que pode levar à sua caça indiscriminada. Outros animais que correm risco em Portugal e outros países próximos são as lagartixas, já que segundo algumas lendas do folclore elas se alimentam de sangue e da pele humana, o que leva muitas pessoas a matá-las quando as percebem.

Aqui no Brasil o boto-cor-de-rosa (figura 2) também corre riscos. Diz a lenda que o boto pode se transformar em um homem elegante e muito bonito que atrai as moças e as engravida. Por ter essa conotação sexualizada, muitos botos são capturados pois acredita-se que tenham poder afrodisíaco. No fim de 2018, a União Internacional para Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN) classificou o boto como uma espécie em risco de extinção iminente. Infelizmente, nesse caso, a lenda folclórica não trouxe boas consequências e cabe à todos o papel de conscientizar as pessoas para que elas não matem esses animais.

Figura 2: boto-cor-de-rosa
(Fonte da imagem: https://exame.abril.com.br/brasil/boto-cor-de-rosa-corre-perigo-na-amazonia/)

Fechando o mês temático, vimos como o folclore pode ser usado para a busca de novos tratamentos de doenças, mas também – como qualquer conhecimento – pode prejudicar os animais, ao disseminar o preconceito e informações erradas.

Por Nathália de Moraes

nathalia.esalq.bio@gmail.com

Referências

[1] https://drauziovarella.uol.com.br/doencas-e-sintomas/tuberculose/

[2] https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5051246/

[3] https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4171860/

[4] https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3292471/

[5] https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3180245/

[6] http://portal.inpa.gov.br/portal/index.php/ultimas-noticias/3371-a-dois-passos-da-classificacao-de-extinto-boto-vermelho-entra-para-lista-vermelha-da-iucn

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