Você sabia que existem 15 espécies diferentes de Primatas no Cerrado? E que todas elas desempenham funções importantes para os ecossistemas?
Observe ao redor e você provavelmente perceberá inúmeras interações entre plantas e animais. Essas interações estão entre os principais processos para a geração e manutenção da biodiversidade. Aproximadamente 90% das espécies de plantas dependem dos animais para a sua reprodução, já que esses exercem um papel mutualístico (relação ecológica entre dois indivíduos que se beneficiam mutuamente) com a dispersão de sementes e a polinização das plantas (Jordano, 2000). Diversas espécies de plantas produzem frutos com partes comestíveis que atraem animais frugívoros. Com isso, esses animais se beneficiam da interação, uma vez que os frutos atuam como fonte de energia, enquanto as plantas têm suas sementes carregadas para longe das plantas-mãe, aumentando sua probabilidade de gerar novos espécimes (Howe & Miriti, 2004).
A dispersão de sementes por animais frugívoros, como os primatas, é um processo fundamental na dinâmica populacional das plantas (Terborgh, 1995) e em paisagens altamente fragmentadas as chances de restauração e o fluxo gênico entre os fragmentos vegetais pode aumentar significativamente (Duncan & Chapman, 2002). Os macacos-prego (gênero Sapajus) são omnívoros, porém, os frutos podem constituir a maior parte da sua dieta, chegando a 89% (Galetti & Pedroni, 1994) (ver Figura 1). Contudo, com a redução extrema ou, até extinção de diversos frugívoros de médio e grande porte nos trópicos, resultantes de caça e perda de habitat, o impacto na estrutura e dinâmica do ecossistema pode afetar largamente essas interações-chave (Peres & Palacios, 2007). Algumas espécies resilientes de dispersão de sementes podem se tornar fundamentais uma vez que podem dar continuidade a processos essenciais nas florestas (Alves-Costa & Eterovick, 2007).
Figura 1. Macaco-prego (Sapajus sp.) se alimentando de ingá-de-macaco (Inga sessilis) no Parque Nacional de Brasília.
Foto: Samara de A. Teixeira
Vimos alguns exemplos de interações planta-animal, mas qual a importância dessas relações para preservação do Cerrado?
O bioma Cerrado é um hotspot mundial (Myers et al., 2000), isso significa que possui uma alta biodiversidade de espécies endêmicas e tem prioridade para conservação, uma vez que sua área vem sendo diariamente fragmentada pelo avanço da agricultura e pecuária. Para o controle dessa degradação, além da conscientização humana, é importante a regeneração de áreas florestais(leia mais sobre isso neste link). Por isso, a preservação de animais dispersores de sementes, como os primatas, é de fundamental importância pois eles possuem papel essencial nessa dispersão devido a sua capacidade de consumir sementes de diferentes tamanhos e de percorrer longas distâncias antes de defecarem, possibilitando a regeneração de florestas (Figura 2).
Figura 2. A – Fezes de Sapajus libidinosus (macaco-prego) com presença de sementes; B – Sementes germinadas provenientes das fezes de macacos-prego. Fotos: Samara de A. Teixeira
Mas esta relação entre primatas e florestas é uma via de mão dupla, assim como as plantas dependem de seus dispersores, os primatas dependem de ambientes arbóreos para viverem, e esta dependência os torna sensíveis à perda de habitat (Estrada e Coates-Estrada, 1996).
Se o ritmo de desmatamento se mantiver igual ao ocorrido no passado, nos próximos anos o Cerrado será totalmente convertido para usos antrópicos até 2030 (Machado, 2016). Então faz-se necessária uma mudança imediata em nossa postura para que esta triste previsão não se realize.
Por: Samara de Albuquerque Teixeira
Bióloga
CRBio/04 – 098306
@samara.photos / @primatasdocerrado
Referências bibliográficas
Alves-Costa, C. P., & Eterovick, P. C. (2007). Seed dispersal services by coatis (Nasua nasua, Procyonidae) and their redundancy with other frugivores in southeastern Brazil. Acta Oecologica, 32(1), 77-92.
Duncan, R. S., & Chapman, C. A. (2002). 29 Limitations of Animal Seed Dispersal for Enhancing Forest Succession on Degraded Lands. Seed dispersal and frugivory: Ecology, evolution, and conservation, 437.
Estrada, A., & Coates-Estrada, R. (1996). Tropical rain forest fragmentation and wild populations of primates at Los Tuxtlas, Mexico. International journal of primatology, 17(5), 759.
Galetti, M., & Pedroni, F. (1994). Seasonal diet of capuchin monkeys (Cebus apella) in a semideciduous forest in south-east Brazil. Journal of Tropical Ecology, 27-39.
Howe, H. F., & Miriti, M. N. (2004). When seed dispersal matters. BioScience, 54(7), 651-660.
Jordano, P. 2000. Fruits and frugivory. In: Fenner, M. (ed.). Seeds: the ecology of regeneration in plant communities, 2nd edition. CABI Publ., Wallingford =, UK. Pg 125-166.
Machado, Ricardo B. Estimativa de perda da área do Cerrado brasileiro. 2016.
Myers, N., Mittermeier, R. A., Mittermeier, C. G., Da Fonseca, G. A., & Kent, J. (2000). Biodiversity hotspots for conservation priorities. Nature, 403(6772), 853-858.
Peres, C. A., & Palacios, E. (2007). Basin‐wide effects of game harvest on vertebrate population densities in Amazonian forests: Implications for animal‐mediated seed dispersal. Biotropica, 39(3), 304-315.
Terborgh, J. (1995). Wildlife in managed tropical forests: a neotropical perspective. In Tropical forests: management and ecology (pp. 331-342). Springer, New York, NY.