Desde o começo do ano passado estamos vivendo uma pandemia, a qual achávamos que duraria um curto período de tempo, porém, ela ainda não acabou. Uma das inúmeras consequências desse período, são os distúrbios de sono, os quais também são chamados por muitos de “corona-insônia”. Para termos uma ideia, na China, os casos de insônia aumentaram de 14 para 20% durante o pico do isolamento, enquanto na Itália e Grécia, aproximadamente 40% dos avaliados disseram sofrer de insônia no começo deste ano (1). No Brasil, a situação é ainda pior já que cerca de 65% dos brasileiros sofrem de distúrbios do sono, percentual acima da média mundial de 45% e um estudo recente encontrou que cerca de 43% da população, principalmente as mulheres, têm dormido menos e pior durante a pandemia. A palavra “insônia” foi mais buscada no Google em 2020 do que em qualquer outro ano. Nesse texto vamos falar sobre os efeitos da pandemia no nosso sono, e também nos nossos sonhos.
Uma das razões de estarmos com problemas para dormir é o fato de a pandemia ter alterado a nossa rotina, fazendo com que o nosso ritmo circadiano (é o relógio interno que regula as nossas funções nos períodos de dia e noite) seja também alterado. Já que muitos de nós trabalhamos em casa durante as fases de isolamento, acabamos acordando, almoçando, jantando e indo dormir em horários diferentes e irregulares do que costumávamos ter (2). Além disso, o sedentarismo faz com que tenhamos mais problemas para dormir, já que muitos estudos têm demonstrado efeitos positivos da prática de exercícios com uma redução de problemas de sono (3). Outro fator importante foi que diminuímos o tempo em que tomamos sol durante a fase de confinamento, e a luz solar tem papel importante na regulação da produção de melatonina, um dos hormônios do sono. Este hormônio faz com que nosso corpo se acalme e assim caia no sono durante a noite, já que é produzido em resposta ao escuro. Muitas pessoas costumam tomar esse hormônio para tentar tratar problemas de insônia. O fato de ficarmos olhando o celular antes de dormir para checar redes sociais e notícias sobre a pandemia, por exemplo, faz com a produção de melatonina seja bloqueada pela luz do celular, e consequentemente levamos mais tempo para dormir (4).
A epidemia que estamos vivendo também tem afetado nossos sonhos, tanto na quantidade de sonhos que temos como quando nos lembramos deles e também o que sonhamos. Desde abril do ano passado pessoas tem tido pesadelos sobre a COVID-19, mas não é a primeira vez que eventos traumáticos afetaram os sonhos das pessoas, como, por exemplo, nos ataques de 11 de setembro, mas é a primeira vez que é possível registrar alterações nos sonhos das pessoas em todo o mundo. No Brasil, relatórios sobre os sonhos das pessoas que fizeram e ainda fazem isolamento social tem as palavras raiva, tristeza, contaminação e limpeza. Um estudo com 100 enfermeiras que cuidavam de pacientes com COVID em um hospital de Wuhan, na China, mostrou que 45% delas sofriam com pesadelos (5, 6).
Como explicar os efeitos da pandemia nos nossos sonhos? Muitas pessoas que fazem isolamento social têm dormido mais durante a pandemia, já que não precisam pegar transporte para chegarem ao trabalho. Logo, elas apresentam maior período de tempo na fase REM, a fase de sono em que temos aumento da atividade cerebral o que nos leva a ter sonhos mais vívidos. Além disso, estudos também mostram que quando dormimos pouco ou mal também temos mais sonhos lúcidos. Os sonhos são importantes para nos ajudar a resolver problemas a partir de simulações de situações e consolidar as memórias do dia anterior com memórias de longa duração. Essa fase do sono também é importante para diminuir memórias de medo e criação de novas memórias mais “seguras”. Isso está associado à regulação de emoções e nos ajuda a explicar por que nossos medos da pandemia e desafios do distanciamento social aparecem nos nossos sonhos (6, 7).
Uma dica para saber mais a respeito dos efeitos da pandemia nos nossos sonhos é assistir ao programa “Greg News” da última semana (que coincidência!) nesse link. Na semana que vem vamos falar sobre como podemos dormir (e também sonhar) melhor. Até lá!
Por Bianca Ribeiro
Imagem de capa: editado de Freepik.
Referências:
(1) https://www.em.com.br/app/noticia/bem-viver/2021/02/21/interna_bem_viver,1238623/epidemia-de-insonia-no-brasil.shtml Acessado em 15 de novembro de 2021.
(2) Korman, M., Tkachev, V., Reis, C. et al. COVID-19-mandated social restrictions unveil the impact of social time pressure on sleep and body clock. Sci Rep 10, 22225 (2020). https://doi.org/10.1038/s41598-020-79299-7
(3) Bláfoss R, Sundstrup E, Jakobsen MD, Bay H, Garde AH and Andersen LL (2019) Are Insomnia Type Sleep Problems Associated With a Less Physically Active Lifestyle? A Cross-Sectional Study Among 7,700 Adults From the General Working Population. Front. Public Health 7:117. doi: 10.3389/fpubh.2019.00117
(4) https://www.nccih.nih.gov/health/melatonin-what-you-need-to-know Acessado em 15 de novembro de 2021.
(5) Fränkl, Eirin et al. “How our Dreams Changed During the COVID-19 Pandemic: Effects and Correlates of Dream Recall Frequency – a Multinational Study on 19,355 Adults.” Nature and science of sleep vol. 13 1573-1591. 22 Sep. 2021, doi:10.2147/NSS.S324142
(6) https://www.medicalnewstoday.com/articles/how-did-our-dreams-change-when-covid-19-lockdowns-ended Acessado em 15 de novembro de 2021.
(7) Nielsen, T. “Infectious Dreams” Scientific American 323, 4, 30-34. Oct.2020, doi:10.1038/scientificamerican1020-30