A extinção de espécies é uma consequência comum da evolução biológica e nos ajuda a entender aspectos importantes da história do nosso planeta (Figura 1). Pelos fósseis podemos investigar como a biodiversidade variou ao longo do tempo e, em alguns casos, fornecer detalhes sobre as causas dessa flutuação. No entanto, atualmente vivemos um período de extinção em massa com características distintas das extinções anteriores e essas particularidades podem ter consequências drásticas para a biodiversidade.

Figura 1. Fóssil de um cavalo, retirado de Messel Pit, um sítio arqueológico reconhecido pela UNESCO, localizado na Alemanha. Idade estimada: entre 57 e 36 milhões de anos. Fonte: [6].

Os paleontólogos reconhecem dois padrões principais de extinção. A extinção de fundo ocorre normalmente ao longo do tempo e é caracterizada pelo desaparecimento de espécies em taxas relativamente baixas e constantes. Extinções em massa, por outro lado, são eventos rápidos e ocasionais que reduzem a biodiversidade de maneira drástica. Diferentemente da extinção normal, extinções em massa estão relacionadas com mudanças ambientais de grandes proporções, como erupções vulcânicas e queda de asteroides. Outro ponto importante é que as grandes extinções do passado foram seguidas do surgimento extraordinário de novas espécies.

Nos últimos 540 milhões de anos a diversidade biológica oscilou globalmente e por diversas vezes foi drasticamente reduzida em episódios de extinção em massa (Figura 2). Dentre os cinco principais [1,2], o maior ocorreu no final do período Permiano, há cerca de 251 milhões de anos. Na ocasião, múltiplas erupções vulcânicas na região da Sibéria aumentaram os níveis de gás carbônico (CO2) e sulfeto de hidrogênio (H2S) nos ecossistemas, criando um ambiente pobre em oxigênio no oceano profundo.

Figura 2. Variação estimada do número de famílias de invertebrados marinhos ao longo dos períodos geológicos. As setas indicam os 5 principais eventos de extinção em massa. Ilustração Wolfgang Oshmann, editado por José Tadeu Garcia. Fonte: modificado de [6].

Junto com outros fatores, essa alteração ambiental extinguiu cerca de 96% das espécies marinhas em menos de três milhões de anos (Tabela 1) [1, 3], o que é um período curto de tempo quando consideramos a escala geológica. Surpreendentemente, os registros fósseis mostram que depois de algum tempo, a vida se recuperou, atingindo, em alguns casos, níveis mais altos de diversidade em relação aos períodos geológicos anteriores. Essa recuperação durou dezenas de milhões de anos e afetou os processos ecológicos e evolutivos do sistema terrestre, transformando a vida em algo totalmente novo.

Tabela 1.  Os 5 principais eventos de extinção em massa. Adaptado de [1].

Evento

Possíveis causas
Extinção do Ordoviciano, finalizada há ~443 m.a. com 86% das espécies perdidas. Duração: 1,4 a 3,3 m.a. Episódios glaciais e interglaciais; alteração dos níveis dos oceanos; elevação e intemperismo dos Apalaches afetando a atmosfera e o oceano; mudança na concentração de CO2.
Extinção do Devoniano, finalizada há ~359 m.a. com 75% das espécies perdidas. Duração: 2 a 29 m.a. Resfriamento global (seguido pelo aquecimento), provavelmente ligado à diversificação das plantas terrestres, intemperismo e diminuição do nível de CO2 global; falta de oxigênio no oceano profundo; possível impacto de um asteroide.
Extinção do Permiano, finalizada há ~251 m.a. com 96% das espécies perdidas. Duração: 0,16 a 2,8 m.a. Vulcanismo na Sibéria; aquecimento global; falta de oxigênio no oceano profundo; concentrações elevadas de H2S e CO2 nos ambientes terrestres e marinhos; acidificação do oceano; possível impacto de asteroide.
Extinção do Triássico, finalizada há ~200 m.a. com 80% das espécies perdidas. Duração 0,6 a 8,3 m.a. Atividade vulcânica na Província de Magma do Atlântico Central; níveis elevados de CO2 atmosférico; aumento da temperatura global; crise de calcificação nos oceanos.
Extinção do Cretáceo, finalizada há 65 m.a. com 76% das espécies perdidas. Duração: 0 a 2,5 ma.a.

Impacto de um asteroide na Península de Yucatan, no México; rápido resfriamento do planeta; influência de causas anteriores ao impacto, como vulcanismo, erosão causada pelo movimento das placas tectônicas, eutrofização e redução do oxigênio nos oceanos.

m.a. = milhões de anos

Atualmente há um consenso crescente de que estamos vivenciando um novo episódio de extinção em massa, dessa vez devido às frequentes e profundas modificações ambientais causadas pelos humanos [1, 4]. Todos os dias, milhares de hectares de ecossistemas naturais são convertidos em cidades, rodovias, monoculturas, barragens e outras estruturas, causando degradação ambiental e incontáveis extinções. Mais de 300 espécies de vertebrados terrestres foram extintas desde 1500, enquanto que 67% das populações monitoradas de invertebrados apresentaram um declínio médio de 45%.em suas abundâncias [5]. Somado a isso, as taxas de extinção no século XXI estão centenas de vezes mais elevadas que as taxas de extinção normais e existe um número crescente de espécies ameaçadas, muitas das quais ainda não conhecemos [4].

Não é novidade que espécies sejam extintas como consequência de mudanças ambientais. O aspecto incomum na atual crise é que as mudanças causadas por uma única espécie – a nossa – quase sempre ocorrem em uma velocidade superior à capacidade de adaptação dos organismos. Nos últimos 200 anos, que correspondem a apenas um instante geológico, milhares de espécies foram extintas por ações humanas e as consequências dessa catástrofe ainda não são totalmente conhecidas. Nesse cenário de incertezas, cada ser vivo é importante para a manutenção dos processos ecológicos e evolutivos, mesmo que eles não estejam ligados diretamente a nossa sobrevivência e bem-estar.

Aparentemente ainda não estamos no ápice da atual extinção em massa mas, se nada for feito para aliviar as pressões sobre a biodiversidade, bastarão poucos séculos para alcançarmos seu patamar. É possível que a biodiversidade se recupere, como das outras vezes, mas não é possível dizer se a nossa espécie estará entre as sobreviventes. Estamos diante de um dos maiores desafios da história humana, cabe a nós encará-lo antes que seja tarde demais para evitarmos um final trágico para a atual crise biológica.

 Heraldo Ramos Neto e Rosana Tidon

Do Programa de Pós-Graduação em Ecologia da Universidade de Brasília e

do Departamento de Genética e Morfologia da Universidade de Brasília

 

Referências 

[1] Barnosky, A. D., Matzke, N., Tomiya, S., Wogan, G. O. U., Swartz, B., Quental, T. B., … Ferrer, E. A. (2011). Has the Earth’s sixth mass extinction already arrived? Nature, 471(7336), 51–57. https://doi.org/10.1038/nature09678

[2] Raup, D. M. (1986). Biological Extinction in Earth History. Science, 231(4745), 1528–1533.

[3] Erwin, D. H. (1994). The Permo-Triassic extinction. Nature, 367, 231–236

[4] Woodruff, D. S. (2001). Declines of biomes and biotas and the future of evolution. Proceedings of the National Academy of Sciences, 98(10), 5471–5476. https://doi.org/10.1073/pnas.101093798

[5] Dirzo, R., Young, H. S., Galetti, M., Ceballos, G., Isaac, N. J. B., & Collen, B. (2014). Defaunation in the Anthropocene. Science, 345(6195), 401–406. https://doi.org/10.1126/science.1251817

[6] Reichenbacher, B., Blieck, A., Erwin, D., Piller, W., Sandulescu, M., & Talent, J. (2006). Earth and Life – origins of diversity. Prospectus for a key theme of the International Year of PLanet Earth. Earth sciences for society (Ted Nield). Leiden: Earth Sciences for Society Foundation. Disponível em: http://www.yearofplanetearth.org/content/downloads/EarthAndLife.pdf. Acesso: 17/06/2018.

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