Um dos nossos textos mais acessados aqui no Ciência Informativa é sobre a história e a importância de Henrietta Lacks e de suas células para a ciência. Neste texto vamos relembrar essa importância e entender como esse patrimônio – as células de Henrietta – é explorado.
Henrietta (imagem 1) foi uma mulher negra, pobre, filha de fazendeiros que trabalhavam com tabaco em uma plantação próxima à Baltimore, nos EUA; com 30 anos, após um sangramento, ela descobriu que estava com um grave tipo de câncer cervical (também chamado câncer de colo de útero). Durante um exame em um dos melhores hospitais dos EUA – Hospital Johns Hopkins – uma amostra de suas células tumorais foi retirada pelos médicos, sem o seu consentimento, e entregue a um pesquisador que há anos falhava na tentativa de conseguir células tumorais que crescessem fora do corpo humano, o que ajudaria no entendimento do câncer. O pesquisador então ficou surpreso, pois as células de Henrietta se propagavam rapidamente no laboratório: diferentemente de todas as outras que ele havia testado, elas se multiplicavam a cada 24 h.
Foi assim que o tal pesquisador George Gey conseguiu, no ano de 1951, cultivar a primeira linhagem imortal de células humanas que passaram a se chamar células HeLa – pela junção das duas primeiras letras do nome e sobrenome de Henrietta. Assim como espalhavam-se nas placas de laboratório, as células tumorais espalharam-se pelo corpo de Henrietta que em outubro de 1951 morreu em decorrência do câncer, sem ter ideia que de seu corpo, sem autorização, foram retiradas as células usadas por Gey.
As células Hela cultivadas em laboratório foram usadas para os mais diversos tipos de pesquisa, desde trabalhos que tentam entender o câncer e os efeitos da radiação em seu tratamento, até pesquisas com cosméticos, hormônios sintéticos e, de acordo com cientistas, a sua mais importante contribuição: o desenvolvimento da vacina contra a poliomelite.
Uma pesquisa recente de 2017 usando células Hela e que foi a capa de uma das mais importantes revistas científicas do mundo mostrou como novas drogas contra o câncer podem ser criadas com base em receptores celulares antes não conhecidos.
Por anos, ninguém da família (imagem 2) soube do uso das células Hela na pesquisa científica. Embora algumas pessoas pensem que ela doou suas células, Henrietta apenas assinou um termo de consentimento autorizando a realização de exames e uma biópsia, mas não o seu uso em pesquisas. Estima-se que hoje existam mais de 17 mil pedidos de patentes relacionadas a suas células apenas nos EUA. Muitos fazem dinheiro com suas células, que continuam sendo multiplicadas por laboratório mundo afora, enquanto sua família passa ainda por dificuldades.
Embora os filhos e outros descendentes de Henrietta saibam pouco de tudo o que foi feito com base nas células dela, eles há pouco tempo conseguiram alguns avanços: após a publicação do genoma completo de Henrietta por pesquisadores da Alemanha, a família conseguiu que toda pesquisa com base nessas informações fosse antes autorizada por eles.
A pergunta que fica é: a quem pertencem as células de Henrietta? Sua família? Não pertencem a ninguém? Aos pesquisadores que as compram? Bom, responder a essa pergunta não é fácil. Nos EUA entende-se que qualquer material biológico, como material genético, não pertence ao indivíduo. Muito fala-se sobre os direitos de uma pessoa sobre seu material biológico, inclusive pelo fato de que pode ser comercializado e usado contra sua vontade, mas é difícil estabelecer parâmetros éticos no caso de amostras biológicas como DNA.
Apesar de tudo que já foi ganho cientificamente com base nas células Hela, a família de Henrietta colhe poucos de seus frutos. Um fundo privado ajuda no tratamento dentário e médico de seus descendentes e, em outubro de 2018, um dos prédios de pesquisa da Universidade Johns Hopkins será nomeado em sua homenagem.
Se você quer saber mais sobre a vida e o impacto de Henrietta Lacks para a ciência não deixe de ler nosso primeiro texto sobre o assunto e visite a página da Fundação Henrietta Lacks (em inglês).
Por Nathália de Moraes
Referências
[1] https://massivesci.com/articles/biology-privacy-cells-dna-hela-henrietta-lacks/
[2] https://thevarsity.ca/2019/02/24/henrietta-lacks-cancer-cells-live-on-in-biomedical-research/
[4]
https://www.cell.com/molecular-cell/fulltext/S1097-2765(16)30817-6