Vimos da última vez como o português veio do latim. Mas, isso responde apenas metade da nossa curiosidade, porque é sempre possível se perguntar: De onde vem o latim? Hora de falar sobre a história dos ancestrais da língua portuguesa.
Para além do romance
Ótimo, então já conseguimos traçar a história do português até Roma. Mas, e aquele hotel de Katmandu? Como alguém foi descobrir que o latim tinha algum parentesco com aquelas línguas faladas em torno da Índia? E se eu dissesse que foi de maneira parecida com a sua viagem?
“Até parece! Só falta dizer que foi assim que alguém foi praqueles lados e descobriu que essas línguas são parentes!”. Pois é, meio que foi assim que aconteceu. Em 1786, enquanto trabalhava na cidade indiana de Calcutá, o sir William Jones sugeriu que sânscrito (a língua-mãe de boa parte das línguas indianas) devia ser parente do latim. E do grego. E do gótico. E do celta. E do persa. E ele estava certo.
A propósito, “gótico” era uma língua germânica falada há mais de um milênio e que influenciou o português e o espanhol por ter estado presente na península Ibérica graças aos visigodos. Talvez seja melhor deixar isso claro antes que alguém imagine que eles eram roqueiros vestidos de preto cantando em cemitérios tentando invocar os espíritos dos antepassados de volta do mundo dos mortos. Infelizmente não era o caso, porque se eles tivessem obtido algum resultado isso ia ter nos ajudado bastante.
Voltando ao importante, como o sir William Jones descobriu que essas línguas eram parentes (e como a gente sabe que ele estava certo)?
Ele (e outros que perceberam essa similaridade) se deparou com a seguinte situação: (1) As palavras de muitas dessas línguas eram mais parecidas do que você esperaria se fosse uma coincidência e (2) a gramática dessas línguas também era bastante similar:
No caso, podemos ver que não só as palavras para pai são parecidas (as consoantes p-t-r são constantes, com uma modificação do gótico), como também apresentam relação de posse com mudança de som e/ou adição de -s, e com mudança de vogal para mostrar benefício. Ou seja, as palavras não só se parecem, mas funcionam de maneira parecida.
E, não eram só os substantivos. Os verbos também apresentavam bastante similaridade em suas conjugações. Peguemos o verbo ser, no presente do indicativo.
A semelhança é curiosa: a terceira pessoa do singular terminando em -st(i) e a primeira pessoa do singular terminando em -m(i), assim como todas as línguas fazerem distinção de pessoa e número começam a chamar um pouco a atenção.
Isso era coincidência demais pra acontecer por pura chance: Seria como você descobrir que, apesar de todos seus parentes serem parecidos, toda a sua família – TODA! TODA! TODA! – na verdade não é sua família biológica e praticamente todo santo mundo, dos seus irmãos aos seus primos, são adotados. É possível, mas extremamente improvável. Nem Stephen King pensou nisso ainda (acho).
Para saber como termina a trilogia sobre a história da língua portuguesa, acompanhe o terceiro (e último) capítulo!
por Marcus Tanaka de Lira
Obra citada:
CLACKSON, J. Indo-European Linguistics: an Introduction. Cambridge: Cambridge University Press, 2007.