Ler não é tão simples quanto pode parecer. Enquanto você está lendo este texto, você está usando vários mecanismos diferentes relacionados à língua, à percepção sensorial (a sua visão) e à cognição (como atenção e diferentes tipos de memória).
Já que ler envolve tantas (sub)habilidades, é natural que a leitura de cada pessoa seja distinta. Por exemplo, a forma como cada um mexe os olhos para ler é diferente: alguns fixam os olhos em cada palavra, e outros pulam várias palavras, fazendo longas sacadas. Além disso, enquanto algumas pessoas tendem a ler quase exclusivamente de forma linear, outros voltam regularmente a palavras anteriores, indo e vindo no texto.
Há várias pesquisas que estudam como os movimentos dos olhos indicam os tipos de estratégias de processamento que um indivíduo usa ao ler. Dois cientistas holandeses investigaram se os movimentos dos nossos olhos estão relacionados ao nosso uso de verbos de causalidade implícita enquanto construímos a representação mental de um texto.
Os verbos que indicam interação entre duas pessoas possuem a característica chamada causalidade implícita: a noção de que um dos argumentos do verbo (o sujeito ou objeto, por exemplo) é a causa da ação. Em uma sentença como “João pediu desculpas a Maria…”, a expressão “pedir desculpas” cria um viés em direção a João: espera-se que o resto da frase seja sobre o João (por exemplo, “João pediu desculpas a Maria porque ele estava atrasado”). Por outro lado, em uma sentença como “João elogiou Maria…”, “elogiar” ressalta Maria, e não João, então uma continuação mais provável da sentença seria “João elogiou Maria porque ela fez um bom trabalho”. Ou seja, o significado desses verbos pode implicitamente nos fazer antecipar informações e ter expectativas específicas de como será o resto da sentença.
Esses pesquisadores holandeses deram algumas pequenas histórias para 46 pessoas lerem e monitoraram o movimento dos olhos deles com um equipamento especializado. As frases que eles tinham de ler podiam confirmar ou contradizer a expectativa feita pela causalidade implícita do verbo. Alguns exemplos de sentenças eram:
David pediu desculpas a Linda. Ele, de acordo com as testemunhas, era o culpado do acidente.
→ O pronome ele confirma a expectativa do verbo (David).
Linda pediu desculpas ao David. Ele, de acordo com as testemunhas, não era o culpado do acidente.
→ O pronome ele contradiz a expectativa do verbo (Linda).
Eles encontraram quatro perfis diferentes de leitores: os leitores proativos¸ os conservadores, os leitores rápidos e os leitores lentos. Veja na tabela abaixo como é cada um desses tipos de leitura.
Esse estudo confirmou a hipótese de que leitores proativos fazem muito uso da causalidade implícita do verbo para fazer predições de como será a continuação do texto. Assim, quando a expectativa que eles tinham (por exemplo, Linda) não era confirmada (e eles encontravam o pronome ele), eles diminuíam o ritmo de leitura imediatamente ao ler a palavra inesperada.
Quanto aos leitores conservadores e aos rápidos, quando existia algum efeito dessa divergência expectativa vs. realidade, ela acontecia bem mais tarde na sentença (o ritmo de leitura só diminuía depois de algumas palavras). Isso indica que esses indivíduos não faziam uso da causalidade implícita.
Os leitores lentos, por fim, sofreram o processo oposto dos leitores proativos: quando o pronome era consistente com a expectativa deles, eles demoravam mais para ler a frase.
Essas descobertas têm várias implicações sobre o entendimento de quais são as diferentes estratégias que cada pessoa utiliza na compreensão de textos escritos, e mais estudos devem ser realizados para explorar esse assunto.
E você, já reparou no movimento dos seus olhos?
Thomaz Offrede
Referência
Koornneef, A., & Mulders, I. (2017). CanWe ‘Read’ the Eye-Movement Patterns of Readers? Unraveling the Relationship Between Reading Profiles and Processing Strategies. Journal of Psycholinguistic Research, 56, pp. 46:39.