Você já acordou com o som de passarinhos cantando? E você entendeu o que eles estavam “falando”? Há algumas semanas, nós aprendemos que alguns macacos são capazes de se comunicar através de símbolos. Os sistemas de comunicação dos pássaros também têm várias similaridades com as línguas humanas. Vamos descobrir algumas delas?
A estrutura da língua
A semelhança mais básica é o próprio conceito da fala dos humanos e do canto dos pássaros. Os dois são “fluxos” de comportamento em que há trechos com emissão de som (produzido por ar que passa por órgãos vocais) intercalados com trechos de silêncio [1].
Além disso, nas duas espécies, o som produzido (a fala e o canto) são constituídos de unidades que se juntam e formam componentes linguísticos maiores. O constituinte mais básico da fala humana é o fonema (o som) – por exemplo, o som /a/. Os diferentes sons se combinam para compor morfemas, que formam constituintes mais altos na hierarquia – dentre eles palavras, sentenças e, finalmente, o ato da fala [2].
Ainda não há um consenso sobre a estrutura exata do canto das aves [3]; além disso, cada espécie tem um sistema diferente. Porém, a sua unidade mais básica sempre são as notas. Assim como os fonemas humanos, as notas compõem constituintes mais complexos, como as sílabas, os motivos e as canções. Por fim, canções combinadas formam o episódio de canto.
Na imagem abaixo, você pode ver os paralelos entre a fala humana e o canto das aves.
Eles têm que aprender a cantar?
Há pessoas que acreditam que todos os sons que animais não-humanos emitem são “instintivos” e não requerem aprendizado. Mas isso não é verdade! Como foi explicado neste texto, macacos vervet, por exemplo, demoram algum tempo aprendendo as suas vocalizações antes de poderem usá-las adequadamente, assim como humanos o fazem.
E, claro, a mesma coisa acontece com as aves. Pássaros que não são expostos ao canto de adultos até chegam a produzir algumas canções, mas elas são muito mais simples e menos bem definidas do que as canções normais, cantadas por adultos na natureza [4].
Tanto nos humanos quanto nas aves, o processo de aprendizado passa por alguns estágios. Primeiramente, o indivíduo ouve e memoriza o comportamento vocal dos adultos da sua espécie. Depois, ele tenta copiar o que foi memorizado, produzindo sons e comparando-os com o “modelo” que ele conhece [5]. Finalmente, após um certo período, ele se torna um “cantor” competente.
Por que os passarinhos cantam?
Assim como os humanos, as aves usam a sua “língua” para se comunicar – mais precisamente, para estabelecer variadas formas de comunicação. Diferentes espécies interagem de formas distintas. Por exemplo, na maioria das espécies, apenas os machos cantam. Em muitas, no entanto, as fêmeas também cantam; em algumas, casais cantam até mesmo duetos elaborados! [4]
O canto de várias espécies está diretamente relacionado aos seus hábitos de acasalamento. Por exemplo, a época em que algumas espécies Acrocephalus mais cantam é dois meses antes de fazerem seus ninhos.
Uma espécie cuja interação por meio do canto foi muito estudada é o rouxinol (Luscinia megarhynchos). Pesquisadores observaram que eles ajustam perfeitamente o seu canto ao canto de outros pássaros (até mesmo quando esses cantos foram gravados e editados no computador). Isso prova que eles ouvem e prestam atenção ao que os outros indivíduos estão cantando [6].
Os pássaros podem interagir de variadas formas. Um macho pode, por exemplo, responder outro indivíduo com um canto equivalente ou com uma continuação do canto do primeiro macho. Além disso, ele também pode interromper o canto do outro – o que geralmente é associado a disputa por território –, esperar o outro terminar para então cantar – interpretado como um “ritual de saudação” – ou pode até mesmo cantar sozinho, o que é provavelmente uma demonstração de dominância.
Este vídeo da Science mostra outro exemplo muito interessante do Mandarim cantando para os seus filhotes.
Além desses exemplos, também há muitas outras formas como os pássaros podem interagir – ainda mais levando em consideração que cada espécie se comporta diferentemente.
A comunicação das aves é muito complexa e interessante. Há bastante tempo pesquisadores do mundo inteiro têm estudado diferentes espécies – e, mesmo assim, ainda temos muito a descobrir! Da próxima vez que você ouvir um passarinho cantando, se pergunte “O que será que ele está dizendo? ”
Thomaz Offrede
tom.offrede@gmail.com
Referências
[1] TODT, D. (2004). From birdsong to speech: a plea for comparative approaches. Anais da Academia Brasileira de Ciências 76(2): 201-208
[2] BIERWISCH, M. Repertoires of primitive elements: prerequisite or result of acquisition? In: WEISSENBORN, J.; HÖHLE, B. Approaches to Bootstrapping. Amsterdam and Philadelphia: John Benjamins Publishing Company, 2000.
[3] THOMPSON, N.S.; LEDOUX, K.; MOODY, K. A system for describing bird song units. Bioacoustics, v. 5(4), p. 267-279, 1994.
[4] CATCHPOLE, C. K.; SLATER, P. J. B. Bird Song: Biological Themes and Variations. New York: Cambridge University Press, 2008.
[5] BRENOWITZ, E.A.; MARGOLIASH, D.; NORDEEN, K. W. An Introduction to Birdsong and the Avian Song System. Journal of Neurobiology, v. 33(5), p. 495-500, 1997.
[6] GEBERZAHN, N.; HULTSCH, H. Rules of song development and their use in vocal interactions by birds with large repertoires. Anais da Academia Brasileira de Ciências, v. 76(2), p. 209-218, 2004.
Muito bom, meu amigo.
Vou continuar acessando para saber mais sobre o assunto. Outro dia mesmo eu estava lendo a respeito de os pássaros terem noção de quantidade. Isso é percebido quando se tira, por exemplo, um ovinho do ninho. o pássaro sabe que está ocorrendo algo estranho… faltando algo.
Felicidades!!!!!!!!