Neste ano, a francesa Emmanuelle Charpentier, do instituto Max Planck em Berlim, e a americana Jennifer Doudna, da Universidade da Califórnia em Berkeley, receberam o prêmio Nobel de Química (Figura 1). Essas cientistas desenvolveram uma tecnologia que permite modificações precisas do genoma, ou seja, do DNA presente nas células vivas. Desde a sua descoberta em meados de 2010, laboratórios do mundo todo começaram a desenvolver pesquisas utilizando essa nova ferramenta. Dentre as inúmeras aplicações dessa tecnologia estão a modificação de genes humanos para eliminar doenças e a geração de plantas melhoradas não transgênicas (1, 2).
Doudna e Charpentier tiveram papel crítico na caracterização do sistema CRISPR-Cas9, também chamado de “tesoura genética”. A sigla CRISPR (do inglês, Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats) significa Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas e consiste em pequenas porções do DNA compostas por repetições de nucleotídeos. O sistema CRISPR existe em organismos procariotos, como bactérias, e é importante para prevenir infecções causadas por invasores celulares. Esse sistema permite que procariotos consigam reconhecer precisamente sequências genéticas do material genético do vírus (chamado de fago) e também de outros invasores e marcar essas sequências para destruição utilizando enzimas especializadas, como a proteína Cas9. Charpentier conseguiu identificar outro componente do sistema CRISPR, uma molécula de RNA que está envolvida com o reconhecimento das sequências do fago dentro da bactéria Streptococcus pyogenes, a qual causa doenças em humanos. No ano de 2011 ela começou uma colaboração com Doudna, e juntas conseguiram isolar os componentes do sistema CRISPR-Cas9, adaptaram seu funcionamento e mostraram que esse sistema seria capaz de programar cortes específicos em um DNA de interesse. Essa tecnologia necessita de uma molécula de RNA guiadora, também chamada de RNA guia simples, a qual tem as características do RNA bacteriano pela fusão do crRNA (RNA derivado de CRISPR) e do tracrRNA (RNA transativador). Essa molécula é capaz de direcionar a enzima Cas9 para cortar regiões específicas do DNA (Figura 2) (1, 2).
Era exatamente dessa invenção que pesquisadores do mundo todo estavam esperando, uma forma simples, fácil e econômica de modificar o genoma. Isso consequentemente gerou avanços em diversas áreas da ciência, principalmente na medicina e agricultura. Um exemplo de pesquisa na área de medicina utilizando a técnica CRISPR-Cas9 é o tratamento de pessoas com formas severas da desordem genética chamada de talassemia, a qual leva a uma má formação da hemoglobina e consequentemente a anemia. Um time de pesquisadores de Boston e Cambridge tiveram a ideia de usar essa tecnologia para alterar uma região do gene chamado de BCL11A, o qual é necessário para desligar a produção de hemoglobina logo após o nascimento. Bloqueando esse gene, os pesquisadores esperavam voltar com a produção de hemoglobina fetal em células sanguíneas de adultos. Para que isso acontecesse, células da medula dos pacientes foram retiradas, modificadas e inseridas novamente na medula. Até o momento, os pacientes não precisaram mais se submeter a transfusão de sangue, mostrando que a técnica realmente funciona (4). Essa é apenas uma das inúmeras pesquisas em desenvolvimento que podem trazer grandes benefícios à sociedade utilizando a técnica CRISPR-Cas9. Devido a essa invenção, Doudna e Charpentier são as primeiras duas mulheres a dividir o prêmio Nobel de Química, no valor de aproximadamente 1 milhão de dólares.
Na semana que vem vamos falar sobre o prêmio Nobel de Medicina – a descoberta do vírus da hepatite C. Até lá!
Por Bianca Ribeiro
Referências:
(1) https://www.nobelprize.org/prizes/chemistry/2020/summary/ Acessado em 21 de dezembro de 2020.
(2) Pioneers of revolutionary CRISPR gene editing win chemistry Nobel. https://www.nature.com/articles/d41586-020-02765-9 Acessado em 21 de dezembro de 2020.
(3) Pereira, T.C. Introdução à técnica de CRISPR. Sociedade Brasileira de Genética. 2016.
(4) CRISPR gene therapy shows promise against blood diseases. https://www.nature.com/articles/d41586-020-03476-x Acessado em 21 de dezembro de 2020.