Existem dois tipos de fungos microscópicos: os leveduriformes (conhecidos como leveduras) e os filamentosos (conhecidos como bolores) (Imagem 1). Esses dois grupos apresentam suas características próprias como, por exemplo, o formato da célula ou a forma de reprodução celular. Independente destas e de outras características, esses dois grupos de fungos são utilizados industrialmente há muitos anos.
Imagem 1. Células de fungo leveduriforme (a) e filamentoso (b). Fonte: MONI et al. (2020) (a) e WANG et al. (2017) (b).
Produtos alimentícios e bebidas como pão, vinho, cerveja e alguns queijos são produzidos através da ação destes fungos. Ou seja, através da aplicação destes micro-organismos e suas atividades bioquímicas na matéria-prima, obtém-se o produto final.
Na produção de queijo, os fungos filamentosos são extensivamente utilizados na produção dos chamados “queijos azuis”. Já ouviu falar? São aqueles queijos que parecem estar “mofados”, embora estejam dentro do prazo de validade e com qualidade microbiológica adequada (sem apresentar contaminação por micro-organismos que causam doenças ou deterioração) (Imagem 2). Dois representantes destes queijos são o Roquefort e o Gorgonzola. Eles apresentam a coloração azul esverdeada que pode ser vista mesmo por fora. Quando cortados, apresentam “riscas” nestas cores em todo o queijo. Na verdade, eles estão mesmo mofados, se considerarmos que este termo se refere à presença de um fungo filamentoso benéfico em sua massa. O que ocorre é que nestes casos o fungo é adicionado industrialmente com o objetivo de se obter um queijo diferenciado com cor, sabor e aroma característicos.
Imagem 2. Queijo azul com a presença de fungo filamentoso (Penicillium sp.). Fonte: Pixabay.
Para a produção desses queijos, a indústria segue os protocolos usuais de fabricação e injeta o fungo Penicillium roquefort dentro do queijo. Esse fungo precisa de oxigênio para se multiplicar e encontra quantidades suficientes de O2 na massa do queijo, que é macia. Além disso, ele é lipolítico, ou seja, durante seu desenvolvimento ele “quebra” os lipídios (a gordura) presente no queijo, liberando ácidos graxos de cadeia curta. Esses ácidos graxos são voláteis e por isso contribuem muito para o aroma forte dos queijos. Esse fungo também tem capacidade proteolítica (faz a “quebra” das proteínas). Como resultado dessa quebra são liberados os peptídeos (unidades menores que formam as proteínas). Todos esses produtos juntos se acumulam na massa do queijo e são os responsáveis pelo aroma e sabor intensos, característicos dos queijos azuis, descritos por consumidores como ácido, picante, ardido, forte, dentre outros.
As leveduras também participam de processos importantes na indústria de alimentos. Na produção de pães fermentados, são utilizadas as leveduras da espécie Saccharomyces cerevisiae. Popularmente chamamos esse fungo de fermento ou fermento biológico. Este termo biológico é dado exatamente porque estamos utilizando um micro-organismo vivo! Podemos encontrar esse fermento na forma seca ou fresca (úmida). Independente da forma, lembre-se que estamos utilizando um fungo (benéfico) que em condições adequadas irá realizar o processo de fermentação. Quando adicionada junto aos demais ingredientes que utilizamos para fazer a massa do pão, a S. cerevisiae fermenta os açúcares da massa liberando o gás dióxido de carbono (o CO2) e etanol (álcool). Falamos há pouco de condições adequadas e isso significa ter “alimento” para esse fungo, que no caso é o açúcar, e temperatura adequada (quentinha, por isso nós cobrimos bem a massa esperando que a mesma cresça). Assim, com alimento e temperatura ideal, ocorre a multiplicação das leveduras. O gás é liberado no interior da massa em pequenas bolhas e faz com que a mesma aumente de tamanho. Tecnicamente o que está acontecendo é o processo fermentativo, mas em casa, esta é a etapa na qual observamos a massa crescendo! O álcool (etanol) produzido na massa evapora durante o período no qual o pão é assado. O Ciência Informativa já publicou um texto sobre o processo fermentativo e você pode rever clicando aqui.
Na produção de vinho e cerveja pode-se empregar diferentes tipos de leveduras. A Saccharomyces cerevisiae é muito utilizada, sendo adicionada ao mosto – as uvas esmagadas, no caso do vinho e o malte, no caso da produção de cerveja. O açúcar presente naturalmente no mosto é fonte de energia para as leveduras, ou seja, é alimento! Ao utilizar esse açúcar, o mosto é fermentado e há a produção de etanol e CO2 pelas leveduras, assim como na massa de pão. Em alguns processos, o gás liberado é mantido no produto através de etapas de pressurização, de forma que são obtidos os vinhos espumantes e frisantes. Esses processos são controlados rigorosamente, pois estamos falando de uma intensa multiplicação de células de levedura. No vinho, por exemplo, o excesso de células pode levar a uma turbidez indesejada no produto final.
Além de alimentos e bebidas, outros produtos importantes ao ser humano também são produzidos por micro-organismos, como enzimas, antibióticos e toxinas. No nosso próximo texto vamos conversar sobre isto! Até lá!
Por Cínthia Hoch B. de Souza
cinthiahoch@yahoo.com.br
Referências:
MONI, M.U.; AZIZ; A.A.; YOUSUF, A.; ALAM, Z. Hydrogen-rich syngas fermentation for bioethanol production using Saccharomyces cerevisiae. International Journal of Hydrogen Energy, v.45, n.36, p.18241-18249, 2020.
RIBEIRO, E.S.S; NASCIMENTO, A.F.; SILVA, L.D.; LIRA, N.A.; PASSAMANI, F.R.F.; BATISTA, L.R.; MATTEOLI, F.P. Occurrence of filamentous fungi isolated from matured blue cheese. Brazilian Journal of Food Technology, v.23, e2019074, 2020.
SBAMPATO, C.G.; ABREU, L.R.; FURTADO, M.M. Queijo Gorgonzola fabricado com leite pasteurizado por ejetor de vapor e HTST: parâmetros físico-químicos e sensoriais. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v.35, n.1, p.191-200, 2000.
WANG; W.; CHEN, Y.; WEI, D.Z. Copper-mediated on-off control of gene expression in filamentous fungus Trichoderma reesei. Journal of Microbiological Methods, v.143, p.63-65, 2017.
Imagem de capa: Pixabay.