Quando vamos ao supermercado e compramos um iogurte, estamos levando para casa um produto que foi obtido a partir da ação de dois micro-organismos. Você sabia disso? Os iogurtes são produzidos a partir da adição de duas bactérias ao leite. Essas bactérias são benéficas e são utilizadas industrialmente para a transformação do leite em iogurte.

Na literatura, existem várias publicações relatando a origem desse produto que é consumido mundialmente. Um dos registros descreve que os povos nômades do Mediterrâneo, ao atravessarem o deserto, levavam consigo leite cru para se alimentarem. Esses povos transportavam esse leite em bolsas produzidas a partir da pele de cabra. Como essas bolsas ficavam em contato com a pele do camelo durante os deslocamentos, a alta temperatura favorecia a multiplicação das bactérias que produziam ácido lático e transformavam o leite cru em iogurte.

Tecnologicamente, os micro-organismos utilizados para a produção do iogurte são o Streptococcus thermophilus e Lactobacillus bulgaricus. Quando falamos da ação dessas bactérias sobre o leite para obtenção do iogurte, estamos falando de um processo que se chama fermentação. Nesse processo, o leite se transforma em um produto com textura, sabor e aroma diferentes daquele que apresenta originalmente. Essas características ocorrem no produto final (iogurte) devido à transformação causada pelas bactérias: o sabor e aroma são ligeiramente ácidos (ou azedo) e a consistência é firme, diferente do leite, que é líquido. A consistência do iogurte pode variar sendo mais ou menos firme, dependendo da tecnologia de fabricação adotada.

O leite é uma fonte natural do açúcar chamado lactose. O processo da fermentação se inicia com o consumo (degradação) da lactose pelas bactérias S. thermophilus e L. bulgaricus. Por esse motivo, o iogurte muitas vezes é consumido tranquilamente pelas pessoas que possuem intolerância à lactose. Muitas pessoas que passam mal ao consumir o leite conseguem consumir o iogurte sem sentir os desconfortos resultantes da intolerância, como dores abdominais, flatulências e diarreia, justamente por parte da lactose ter sido utilizada pelas bactérias produtoras do iogurte.

Esses micro-organismos se multiplicam no leite de forma simbiótica, ou seja, um auxilia o outro no seu desenvolvimento. Para a fabricação do iogurte, essas bactérias são adicionadas conjuntamente ao leite, que pode ser proveniente de diferentes espécies, como vaca, búfala, cabra e ovelha, por exemplo, e deve estar na temperatura de 42° C. Esta é a temperatura ideal para que estas bactérias se multipliquem. Durante esta multiplicação ocorre o aumento do número de células bacterianas no leite e há a liberação de metabólitos (produtos resultantes da fermentação) que vão ficar dispersos no leite. Esses produtos vão atuar favorecendo a multiplicação das bactérias que produzem o iogurte.

Vamos entender como isso acontece: o pH inicial do leite (próximo de 7,0) favorece o S. thermophilus, que metaboliza (consome) a lactose do leite produzindo ácido lático. Este ácido reduz o pH do leite, estimulando a multiplicação do L. bulgaricus. Essa bactéria é proteolítica, ou seja, tem capacidade de degradar (“quebrar”) a caseína do leite (proteína), em unidades menores que formam essa proteína. Essas unidades são chamadas de aminoácidos. Esses aminoácidos são fontes de energia (alimento) para a outra bactéria, o S. thermophilus. Como resultado deste consumo, há a produção de ácido fórmico e gás carbônico, que são utilizados pelo L. bulgaricus para sua multiplicação. Assim, inicialmente há uma rápida multiplicação de S. thermophilus, que depois é inibido com o aumento do ácido lático gerado no leite. Dessa forma, os dois micro-organismos utilizam os constituintes do leite e produzem compostos que estimulam a multiplicação de ambos. Também são formados outros compostos que são responsáveis pelo aroma e sabor do iogurte, como o acetaldeído.

Todo esse processo ocorre em aproximadamente 4 h e se encerra quando o pH atinge a marca de 4,6. Nesta etapa pode-se afirmar que o leite foi fermentado e que o produto iogurte já está formado. Para finalizar o processo, o produto é levado à temperatura de refrigeração (4°C). Esta temperatura baixa vai parar o processo de multiplicação das bactérias S. thermophilus e L. bulgaricus, evitando que as mesmas continuem a fermentação e tornem o produto ácido demais, mantendo assim o aroma, sabor e textura que conhecemos dos produtos comerciais. Caso o processo não seja parado com a redução da temperatura, haverá uma intensa multiplicação bacteriana, levando a um processo conhecido como pós-acidificação, o que pode tornar o produto inaceitável pelos consumidores, por se tornar ácido demais.

Esse é o processo de obtenção de um iogurte convencional. Aqui focamos na ação das bactérias Streptococcus thermophilus e Lactobacillus bulgaricus na transformação do leite, mas lembre-se que ao comprar um iogurte existem vários outros ingredientes em sua composição como açúcar, pedaços ou polpa de frutas, gelatinas, gomas, aromas, corantes, dentre outros. Fique atento ao rótulo! Viu só como essas duas bactérias trabalham para que tenhamos acesso a esse alimento tão conhecido? Na semana que vem vamos conversar sobre um outro micro-organismo que também atua na tecnologia de alimentos a nosso favor: o fungo! Até lá!

 

Por Cínthia Hoch

cinthiahoch@yahoo.com.br

 

Referências:

CORRIEU, G.; BÉAL, C. Yogurt: The product and its manufacture. The Encyclopedia of Food and Health, v.5, p.617-624, 2016.

SODINI, I.; REMEUF, F.;  HADDAD, S.; CORRIEU, G. The relative effect of milk base, starter, and process on yogurt texture: a review. Critical Reviews in Food Science and Nutrition, v.44, n.2, p.113-37, 2004.

TAMIME, A.Y.; ROBINSON, R.K. Yoghurt: science and technology. Boca Raton, Flórida: CRC Press, 2007.

Imagem de capa: Freepik.

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