Caramelo IV, vermelho Bordeaux S, carmim e urucum. Você sabe qual é a similaridade entre essas substâncias? Todas são utilizadas como corantes em alimentos. Seguindo a lista descrita, podemos encontrar esses corantes em refrigerantes à base de cola, gelatina, iogurte de morango e maionese.

Corante é um produto, que pode ser natural ou sintético, e que confere cor a alimentos, medicamentos, cosméticos, etc. Neste texto vamos falar dos corantes alimentares.

A cor dos alimentos é uma das características que é mais facilmente percebida pela visão humana. Assim, essa informação é uma das primeiras a ser considerada por nós no momento que vamos comprar ou consumir um alimento. Mesmo que o produto esteja em condições de ser consumido, ou seja, não esteja contaminado, estragado e tenha nutrientes, se a cor não for atrativa, certamente esse alimento será desconsiderado (não será comprado e/ou consumido). Estamos acostumados a fazer esse tipo de avaliação inicial quase que automaticamente. Por exemplo: a cor vermelha viva e brilhante de carnes cruas reflete seu frescor, enquanto que carnes com coloração escura, próxima do marrom, nos informam que o produto já está inapropriado para o consumo.

Como sabemos, os alimentos naturais possuem sua coloração normal. Mas então porque a indústria precisa adicionar corantes durante o processamento de alimentos? Ocorre que os pigmentos que conferem cor natural aos alimentos são instáveis e por isso podem ser destruídos durante o processamento, ou seja, durante sua fabricação. É importante lembrar que o processamento envolve muitas etapas entre o recebimento da matéria-prima e sua liberação para comercialização. Assim, são vários os fatores que podem transformar esses pigmentos e, consequentemente, alterar a cor dos alimentos. Podemos citar a presença ou a ausência de luz, a presença de oxigênio e temperaturas elevadas utilizadas no processamento térmico, por exemplo. Por isso, a indústria faz a reposição destes corantes perdidos em alguma etapa da fabricação. Ainda existem aqueles produtos como balas, por exemplo, que são fabricados utilizando-se matéria-prima como açúcar, corantes e aromatizantes. Nesses casos não se trata de reposição da cor, mas sim da adição de corantes para obter-se a cor final desejada.

Sendo assim, a adição de corantes aos alimentos é uma etapa tecnologicamente compreensível, uma vez que esta adição visa manter o produto o mais atrativo possível para o consumidor.

É importante dizer que o tipo e a quantidade de corantes a serem adicionados aos alimentos dependem muito da matéria-prima e das etapas de processamento que serão empregadas. Para alimentos que são congelados ou resfriados, as mudanças na coloração são pequenas durante o processamento. Por outro lado, alimentos que são submetidos aos processos que utilizam altas temperaturas, como vegetais enlatados e frutas desidratadas tem sua cor alterada drasticamente.

Como podemos ver a adição de corantes aos alimentos é uma prática que sempre existirá, uma vez que a cor é fator determinante para a escolha de produtos pelos consumidores.  O problema é que é mais comum encontrarmos nos alimentos os corantes sintéticos como caramelo IV, tartazina, amarelo crepúsculo FCF, eritrosina e azul brilhante FCF e em uma menor escala os corantes naturais como beta caroteno, antocianina, urucum e páprica, por exemplo.

A ingestão de uma grande quantidade de corantes sintéticos resulta em vários efeitos colaterais sobre a saúde humana, como já descrito na literatura1. Dentre esses efeitos são citados possibilidade de toxicidade, reações alérgicas, surgimento de asma, bronquite, rinite, náusea, broncoespasmos, urticária, eczema e dor de cabeça. Além disso, já existem relatos sobre alterações do comportamento, memória, raciocínio e atenção de crianças. Outra questão importante que precisa ser considerada é que estes corantes sintéticos são consumidos praticamente diariamente, uma vez que estão presentes em alimentos como bebidas, carnes, molhos, sobremesas, etc…

Na contramão de todos esses efeitos ruins estão os corantes naturais, que além de promoverem cores vivas e atrativas aos alimentos, possuem ações positivas sobre a nossa saúde. Cenoura, beterraba e tomate possuem, respectivamente, beta caroteno, betalaína e licopeno. Todos esses compostos são corantes naturais que também são antioxidantes, ou seja, agem no nosso organismo auxiliando na regeneração celular e estimulando o sistema imunológico, ajudando assim na prevenção de doenças.

Por isso, a substituição de corantes artificiais por corantes naturais está entre as principais preocupações da indústria de alimentos, para que possa atender às tendências atuais de consumo, colocando à nossa disposição alimentos atrativos (considerando a coloração dos mesmos), porém, coloridos naturalmente.

Prova disso é que, além da substituição dos corantes artificiais por naturais, a indústria também utiliza tecnologias alternativas para auxiliar na manutenção da cor natural dos alimentos, evitando assim o uso desses aditivos. Dentre essas tecnologias está a utilização de embalagens com atmosfera modificada. Nesse caso, as embalagens é que impedem que a cor natural dos alimentos seja alterada, evitando assim o uso de corantes para a “reposição da cor original”. Essas embalagens consistem na substituição total ou parcial do oxigênio de seu interior por outros gases (nitrogênio e gás carbônico) que são injetados dentro da mesma. Esses gases auxiliam no aumento da validade dos produtos, atuando, inclusive, sobre os micro-organismos que poderiam deteriorar o alimento, alterando sua coloração2,3.

Muitas pesquisas têm sido conduzidas, inclusive no Brasil, focando no desenvolvimento e aplicação de corantes naturais em alimentos, como utilização de algas para coloração de sorvetes4 e biscoitos amanteigados5, extrato obtido do açafrão natural para pratos gelados6, extrato da casca de jabuticaba para coloração de produtos de panificação (conhecidos como macaron)7 e extrato de jabuticaba e jamelão para dar cor a iogurtes8. Até mesmo flores (rosa, centáurea e dália) têm sido estudadas como possíveis fontes naturais do corante antocianina9.

A substituição dos corantes sintéticos por naturais demonstra ser uma prática que pode ser incorporada cada vez mais pelas indústrias, especialmente pela aceitação do consumidor. Um estudo realizado em 2018 em Taiwan avaliou dois tipos de tofu desidratado. Um dos objetivos era avaliar a aceitação do produto fabricado com corantes naturais quando comparado com o tofu fabricado utilizando corantes artificiais. Os pesquisadores observaram que o tofu produzido com os corantes naturais recebeu a mesma aceitação sensorial pelos consumidores. Ou seja, as pessoas aceitariam comprar e consumir o tofu com corantes naturais10. O estudo brasileiro realizado com extrato de jamelão e jabuticaba citado anteriormente também observou resultados positivos com relação aos corantes naturais. Os pesquisadores observaram que o uso de pós de casca de jabuticaba e jamelão em iogurtes resultou em expectativa positiva dos participantes com relação aos sabores de frutas como ameixa, morango, jabuticaba e uva, demonstrando que os corantes naturais tiveram boa aceitação, pois o consumidor correlacionou essas substâncias às frutas naturais.

Bem, entendemos que os corantes sempre farão parte da nossa alimentação. Cabe a cada um de nós procurarmos pelos alimentos que contenham os corantes naturais, evitando a ingestão de produtos químicos sintéticos. Ah, e não se engane! Se você encontrar a frase “corantes sintéticos idênticos aos naturais” em algum rótulo, já sabe: esse não é um produto natural!

por Cínthia Hoch B. de Souza

cinthiahoch@yahoo.com.br

Referências:

1Martins, N.; Roriz, C.L.; Morales, P.; Barros, L.; Ferreira, I.C.F.R. Food colorants: Challenges, opportunities and current desires of agroindustries to ensure consumer expectations and regulatory practices. Trends in Food Science & Technology, v.52, p.1-15, 2016.

2Orkusz, A.; Haraf, G.; Okruszek, A.; Wereńska-Sudnik, M.  Lipid oxidation and color changes of goose meat stored under vacuum and modified atmosphere conditions. Poultry Science, v.96, n.31, p. 731-737, 2017.

3Yang, X.; Luo, X.; Zhang, Y.; Hopkins, D.L.; Liang, R.; Dong, P.; Zhu, L. Effects of microbiota dynamics on the color stability of chilled beef steaks stored in high oxygen and carbon monoxide packaging. Food Research International, v.134, 2020. doi: https://doi.org/10.1016/j.foodres.2020.109215.

4Durmaz, Y.; Kilicli, M.; Toker, O.S.; Konar, N.; Palabiyik, I.; Tamtürk, F. Using spray-dried microalgae in ice cream formulation as a natural colorant: Effect on physicochemical and functional properties. Algal Research, v.47, 2020. doi: https://doi.org/10.1016/j.algal.2020.101811.

5Gouveia,  L.; Batista, A.P.;  Miranda, A.; Empis, J.; Raymundo, A. Chlorella vulgaris biomass used as colouring source in traditional butter cookies. Innovative Food Science & Emerging Technologies, v.8, p.433-436, 2007.

6Almodóvar, P.; Prodanov, M.; Arruñada, O.; Inarejos-García, A.M. affron®eye, a natural extract of saffron (Crocus sativus L.) with colorant properties as novel replacer of saffron stigmas in culinary and food applications. International Journal of Gastronomy and Food Science, v.12, p.1-5, 2018.

7Albuquerque, B.R., Pinela, J., Barros, L., Oliveira, M.B.P.P., C.F.R. Ferreira, I. Anthocyanin-rich extract of jabuticaba epicarp as a natural colorant: optimization of heat- and ultrasound-assisted extractions and application in a bakery product. Food Chemistry, 2020. doi: https://doi.org/10.1016/j.foodchem.2020.126364.

8Freitas-Sá, D.G.C.; Souza, R.C.; Araujo, M.C.P.; Borguini, R.G.; Mattos. L.S.; Pacheco, S.; Godoy, R.L.O. Effect of jabuticaba (Myrciaria jaboticaba (Vell) O. Berg) and jamelão (Syzygium cumini (L.) Skeels) peel powders as colorants on color-flavor congruence and acceptability of yogurts. LWT – Food Science and Technology, v.96, p.215-221, 2018.

9Pires, T.C.S.P.; Dias, M.I.; Barros, L.; Barreira, J.C.M.; Santos-Buelga, C.; Ferreira, I.C.F.R. Incorporation of natural colorants obtained from edible flowers in yogurts. LWT – Food Science and Technology, v.97, p.668-675, 2018.

10Lin, W.S.; He, P.H.; Chau, C.F.; Liou, B.K.; Pan; Li, S.; Pan, M.H. The feasibility study of natural pigments as food colorants and seasonings pigments safety on dried tofu coloring. Food Science and Human Wellness, v.7, n.3, p.220-228, 2018.

Imagens de capa: Pixabay.

One Reply to “Corantes artificiais e naturais são a mesma coisa?”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.