Os metabólitos secundários são compostos orgânicos que apresentam esse nome por não serem normalmente essenciais para a sobrevivência das plantas. Como mostramos em uma matéria há pouco tempo os metabólitos secundários são aproveitados por nós, humanos, há milhares de anos.
Durante o meu doutorado eu tenho trabalhado com biologia molecular e bioquímica para estudar um metabólito secundário chamado de saponina, presente em diversas plantas, como a luzerna-cortada (Medicago truncatula) (Figura 1). Esta planta é usada como modelo para os estudos de plantas da família dos legumes (Leguminosae). A palavra saponina é derivada do latim, sapo, que quer dizer sabão, devido à habilidade desse metabólito de formar espuma. Isso faz com que este seja importante para a indústria alimentar, de bebidas e de emulsificantes. Além disso, tem importante valor para medicina por ser capaz de diminuir o crescimento de células cancerígenas. Para as plantas, as saponinas são importantes por conferirem um sabor amargo aos predadores, evitando a herbivoria.
Devido a importância das saponinas em diferentes setores da indústria, incluindo a produção de fármacos, uma das perguntas que tenho tentado responder no meu doutorado é: “é possível regular a produção de saponinas em luzerna-cortada?” E a resposta é: sim! Mas, como isso é possível? Nós cientistas fazemos descobertas inicialmente através da investigação. Podemos comparar nossa profissão com detetives que precisam de pistas para desvendar mistérios.
Quais eram as pistas que eu tinha?
Pista 1: Nós sabemos que os hormônios, como o ácido jasmônico, podem afetar a quantidade de proteínas que tem papel regulatório na produção de metabólitos. A partir dessas informações fizemos uma análise comparativa dos genes que codificam proteínas nas plantas com e sem tratamento com ácido jasmônico. Resolvemos então estudar mais a fundo algumas proteínas que estavam presentes em maior ou menor quantidade na presença de ácido jasmônico para descobrir se elas afetariam a produção de saponinas (Figura 2).
Pista 2: Uma proteína chamada de makibishi é conhecida por regular a produção de saponinas. A ideia então foi descobrir quais outras proteínas poderiam interagir com makibishi e então afetar a sua atividade e consequentemente a produção de saponinas. Para isso, testamos a interação de milhares de proteínas diferentes com makibishi em células de levedura (Figura 3). A levedura é um fungo unicelular que é muito usado para estudos de biologia molecular já que se reproduz rapidamente, é fácil de manipular e apresenta mecanismos celulares muito parecidos entre organismos como plantas e mamíferos
A partir dessas duas técnicas descobrimos várias proteínas que poderiam positivamente e negativamente afetar a produção de saponinas. Os próximos passos envolveram o uso de diversas técnicas para comprovar nossa hipótese, incluindo a produção em alta ou baixa quantidade dessas proteínas em luzerna-cortada para verificar se a produção de saponinas seria afetada. Isso foi possível pelo uso de engenharia genética e clonagem. O gene que codifica a proteína de interesse foi colocado em um vetor, uma molécula de DNA circular usada como veículo para carregar DNA para outra célula, e transferido para células de plantas. De acordo com o tipo de vetor, é possível aumentar ou diminuir a quantidade de proteínas produzidas pelas plantas (Figura 4).
Felizmente, eu e meus colegas de trabalho conseguimos descobrir que muitas das proteínas que encontramos efetivamente regulam a produção de saponinas, como nossa hipótese dizia. Apesar de ainda haver uma distância considerável entre pesquisa e aplicação, esperamos que em um futuro não tão distante o nosso estudo poderá ser usado em indústrias farmacêuticas para aumentar a produção desse metabólito e trazer benefícios para a sociedade.
Por Bianca Ribeiro
biancaribeiro0589@gmail.com
Referências
[1]. Gholami, A. et al. (2014) Natural product biosynthesis in Medicago species. Natural Product Reports. Disponível em: http://pubs.rsc.org/en/Content/ArticleLanding/2014/NP/c3np70104b#!divAbstract
[2] Botstein, D. et al. (2011). Yeast as a Model Organism. Science. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3039837/
[3] Cohen, SN et al. DNA cloning: A personal view after 40 years. PNAS. Disponível em: http://www.pnas.org/content/110/39/15521
[4] Imagem em destaque: www.labnetwork.com.br