Uma pesquisa de 2018 trouxe uma descoberta surpreendente sobre um dos capítulos da história evolutiva humana: como a migração de uma parte da população do continente africano para a Europa levou ao aumento na frequência de um gene associado à enxaqueca. Ficou confuso com toda essa história? Acompanhe meu texto dessa semana e saiba mais sobre como e por que tudo aconteceu.
Antes de tudo vale lembrar que no genoma humano existem mais de 20 mil genes, que codificam para diversas proteínas que formam nosso corpo e ajudam a regulá-lo. Em cada indivíduo, no entanto, esses genes existem sempre na forma de dois alelos – que são variantes genéticas. Uma pessoa pode possuir dois alelos diferentes ou dois alelos idênticos. Por exemplo, uma pessoa albina possui dois alelos aa do gene que codifica para a pigmentação da pele, já uma pessoa com pigmentação normal possui os alelos AA ou os alelos Aa. Você provavelmente se lembra desses casos de sua aula de genética lá da escola.
A pesquisa que o texto de hoje traz é de um grupo de cientistas do Instituto Max Planck que descobriu que as populações humanas que migraram da África para a Europa, há cerca de 50 mil anos, tinham um alelo do gene TRPM8 que possibilitou a adaptação dos imigrantes ao frio europeu; porém, esse mesmo alelo possui relação com a enxaqueca.
Segundo os pesquisadores, os indivíduos da população humana que viviam na África tinham combinações diversas dos alelos do gene TRPM8, um dos únicos genes que sabe-se ter ligação com a percepção e modulação de resposta ao frio, tanto em humanos quanto em outros animais. Como a África tem uma temperatura média amena/quente, não havia seleção positiva nem seleção negativa para esses alelos, ou seja: por não trazer nenhum benefício ou prejuízo diante do ambiente em questão, a seleção era neutra.
Porém, a partir do momento em que parte dessa população migrou em direção à Europa, região de clima mais frio, aqueles indivíduos que possuíam no seu genoma a combinação de alelos do TRPM8 que permitia melhor resposta ao frio foram positivamente selecionados, já que tê-los passou a ser vantajoso diante das condições agora impostas pelo ambiente.
Mas adaptar-se bem ao frio trouxe também desvantagens. Os pesquisadores perceberam que o alelo do gene TRPM8 que é relacionado à adaptação ao frio é o mesmo que apresenta uma mutação que tem relação com o desencadeamento de episódios de enxaqueca. A enxaqueca é uma dor de cabeça de intensidade variável, por vezes muito forte, e que pode ser acompanhada de náuseas e sensibilidade à luz e ao som. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) milhões de pessoas no mundo sofrem com episódios de enxaqueca, que possui diversas causas, desde fatores genéticos até fatores ambientais (poluição) e alimentares.
Segundo a pesquisa, cerca de 5% da população da Nigéria apresenta o alelo TRPM8 relacionado à adaptação ao frio e à enxaqueca, enquanto que mais de 70% dos habitantes da Finlândia possuem esse mesmo alelo. Podemos dizer que a migração para o continente Europeu foi responsável por selecionar o pacote completo “adaptação ao frio + enxaqueca” e espalhá-lo pela população da Europa.
Ainda não sabemos todas as funções que o gene TRPM8 desempenha no corpo humano e como ou até mesmo se a enxaqueca e a percepção ao frio estão realmente relacionados. Apesar de ainda restarem muitas dúvidas, o resultado surpreendeu os cientistas que conseguiram entender como a população que chegou à Europa se adaptou ao frio intenso, reescrevendo assim um dos muitos capítulos da história evolutiva humana.
Até a próxima!
Por Nathália de Moraes
Referências:
[1] Human genome. (2018). Acessado de https://en.wikipedia.org/wiki/Human_genome#cite_note-4 em maio de 2018.
[2] Cahillane, M. (2018). How migration gave Europeans the migraine gene: Humans who moved north from Africa 50,000 years ago suffered genetic mutation from the cold that predisposed them to headaches. Daily Online. Acessado de http://www.dailymail.co.uk/sciencetech/article-5688093/Humans-migrated-50-000-years-ago-genetic-mutation-cold-predisposing-headaches.html em maio de 2018.
[3] Key, F. M. et al. (2018). Human local adaptation of the TRPM8 cold receptor along a latitudinal cline. Plos Genetics. Acessado de http://journals.plos.org/plosgenetics/article?id=10.1371/journal.pgen.1007298 em maio de 2018.
[4] Hospital Albert Einsein. (2018). Enxaqueca. Acessado de https://www.einstein.br/guia-doencas-sintomas/info/#16 em maio de 2018.