O que me motivou a escrever este texto foi a importância da divulgação científica, pois somente assim a sociedade poderá saber o destino dos impostos que são investidos em pesquisa, valorizando o trabalho e o investimento nas universidades brasileiras.

 No departamento de genética da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo, a pesquisa com metal pesado (elementos tóxicos em altas concentrações) teve início em meados de 1992. Na ocasião, o Professor Dr. Ricardo Azevedo, responsável pelo laboratório de Genética e Bioquímica de Plantas, observou que o Rio Piracicaba apresentava altas concentrações desses metais, dentre eles o cádmio.

A contaminação do Rio Piracicaba foi resultado de anos de despejo de resíduos industriais que eram descartados lá. Esta água contaminada com metais pesados foi usada na atividade agrícola para irrigação, contaminando o solo da região. Além disso, o uso continuo de fungicidas e herbicidas que continham cádmio na sua composição contribuiu para o agravamento dessa situação.

O cádmio é muito utilizado na produção de pilhas e baterias. Porém, no ambiente, em altas concentrações, este elemento pode causar danos à diferentes organismos, desde bactérias até nós, seres humanos. O cádmio se liga ao DNA e às proteínas dos organismos, acarretando estresse e impedindo com que essas moléculas exerçam sua função.

A CETESB estabelece um limite para concentração de cádmio no solo agrícola de 3 mg.kg-1, de modo que a atividade agrícola é proibida em solos com concentração de cádmio superior à estabelecida. Aliás, ainda que permitida a atividade agrícola em tais solos não seria rentável, pois este elemento afeta o crescimento da planta mesmo em concentrações menores do que o limite estabelecido.

Figura 1 – Planta de café sem cádmio (esquerda) e com altas concentrações de cádmio (direita) (Fotos cedidas pelos pesquisadores Tiago Tezotto e Paula F. Martins).

O grande problema dos metais pesados, incluindo o cádmio (na tabela periódica, situa-se entre o cobre e o chumbo) é o fato de serem elementos que não podem ser degradados como moléculas orgânicas, como um herbicida ou fungicida, em que microrganismos retiram radicais tóxicos, tornando a molécula não tóxica. Assim, esses metais, que são acumulados ao longo do tempo pelo uso continuado de produtos contaminados, devem ser imobilizados ou retirados da área.

Há inúmeras bactérias que colonizam a planta e não causam doença, como a doutoranda Bruna Durante Batista já escreveu neste blog. Durante o  meu doutorado, meu trabalho foi inocular uma bactéria isolada de um solo contaminado com cádmio em plantas de tomate. O que observamos foi que a bactéria aumentou a tolerância da planta na presença do metal pesado, o que nos permitiu plantar em áreas contaminadas ou utilizar esta bactéria em plantas que absorvem uma alta quantidade de metal do solo.

Algumas formas de biorremediar solos contaminados são: a matéria orgânica presente no solo pode se ligar ao metal, tornando-o indisponível, mas o metal continua no ambiente e quando a matéria orgânica for degradada, o cádmio será liberado novamente ao ambiente; o solo pode ser lixiviado (lavando os nutrientes do solo) levando os metais para o lençol freático; alguns pesquisadores europeus já até removeram o solo da área e trataram-no retirando os metais e devolveram o solo para o local original – o problema é que além de ter um alto custo, este método afeta as características físicas e químicas do solo. O método mais barato e mais “verde“ é a fitorremediação, em que plantas com alta tolerância a esses metais absorvem esses elementos do solo. Sendo assim, ao retirar a planta da área, retira-se o metal do solo.

  

Figura 2 – Plantas de tomate crescidas em casa de vegetação, 30 dias após a emergência. As duas primeiras plantas sem a presença da bactéria (chamada de SCMS54) e as duas últimas com inóculo bacteriano. As plantas com cádmio (+Cd) são menores que as plantas sem cádmio (-Cd) (Fonte: artigo publicado na Water, Air and Soil Pollution, 225:1-16, 2014).

         Visando aumentar o processo de fitorremediação, ainda durante o doutorado, tentamos entender como ocorre essa interação entre a bactéria e a planta, e como a bactéria aumenta a tolerância dessa planta. Verificamos que a bactéria é selecionada pelo cádmio, pois ela cresce mais onde há mais cádmio e, com isso, impede a entrada de cádmio na planta, diminuindo o estresse sofrido pela planta na presença do metal, promovendo o crescimento.

Além disso, avaliamos também como alguns genes relacionados ao estresse respondem à presença do cádmio e da bactéria. O resultado foi que a bactéria, mais que o cádmio, ativa esses genes de estresse, induzindo na planta o que é chamado de resistência sistêmica (a planta é “vacinada” contra outros estresses). Com isso, compreendemos, ainda que de forma superficial, como bactérias podem ajudar as plantas a biorremediar solos contaminados. No entanto, a solução final para o problema, recorrente em todo mundo, ainda depende de muito estudo. Por isso é necessário investir em pesquisa nessa área, afinal ainda temos muito solo contaminado com metal pesado!

Manuella N. Dourado

Fale com a pesquisadora: mndourado@gmail.com

 

Referências

[1] Informações adicionais: http://www.genetica.esalq.usp.br/phytogen (Site do laboratório – Acessado em: 03/02/2015).

[2] DOURADO, M.N.; MARTINS, P.F.; QUECINE, M.C.; PIOTTO, F.A.; SOUZA, L.A.; FRANCO, M.R.; TEZOTTO, T.; AZEVEDO, R.A.(2013) Burkholderia sp. SCMS54 reduces cadmium toxicity and promotes growth in tomato. Annals of Applied Biology, 163, p. 494-507.

[3] DOURADO, M.N.; SOUZA, L.A.; MARTINS, P.F.; PETERS, L.P.; PIOTTO, F.A.; AZEVEDO, R.A. (2014). Burkholderia sp. SCMS54 triggers a global stress defense in tomato enhancing Cadmium tolerance. Water, Air and Soil Pollution, v. 225, p. 1-16.

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