Você sabia que falar línguas estrangeiras está relacionado com a sua percepção musical? Cientistas de uma universidade francesa estudaram pessoas que aprenderam línguas estrangeiras e encontraram resultados interessantes! [1]
Existe uma teoria que diz que a linguagem humana não é um sistema homogêneo, mas sim, que é constituída de vários subsistemas – como a memória, a articulação da boca ou das mãos, o sistema respiratório – que se combinam e permitem que os humanos falem [2]. Esses subsistemas, obviamente, são usados não só pela fala, mas também para outras funções do nosso corpo.
Assim, acredita-se que vários processos cognitivos são usados por nós para o processamento tanto da fala quanto de música (esta sendo geralmente dividida em melodia e ritmo). Veja, por exemplo, a diferença entre o mandarim e o inglês. O mandarim é uma língua tonal, isto é, o tom (a afinação) de cada sílaba é importante para o significado da palavra. Por exemplo, a sílaba /ma/ pode ser dita com quatro tons diferentes: ‘mā’ (妈) quer dizer “mãe”; ‘má’ (麻) quer dizer “cânhamo”; ‘mǎ’ (马) quer dizer “cavalo”; e ‘mà’ (骂) quer dizer “maldição”. O inglês, por outro lado, não tem essa característica: uma mudança na afinação de um som não modifica o seu significado. E foi descoberto que falantes de mandarim conseguem discriminar melodias melhor do que falantes de inglês.
Outro caso interessante é que o turco e o alemão possuem distribuições diferentes de ritmo na fala. E sabe-se que falantes de turco possuem uma percepção de ritmo mais precisa do que falantes de alemão.
À primeira vista, essas diferenças (tanto entre falantes de mandarim e de inglês, quanto entre falantes de turco e de alemão) parecem estar relacionadas à língua nativa dessas pessoas. Porém, é possível que elas sejam causadas por outros fatores, como aspectos culturais (é possível, por exemplo que os membros desses grupos culturais distintos sejam expostas a diferentes tipos de música).
Então, alguns cientistas da França decidiram estudar apenas falantes de um mesmo grupo cultural com apenas uma língua nativa: o francês falado em Paris. Eles compararam 147 pessoas quanto à sua pontuação num teste que avalia a sua percepção de ritmo e de melodia e quanto ao tempo de estudo de diferentes línguas estrangeiras.
Eles descobriram que, mesmo entre os participantes que não tinham nenhuma experiência com treinamento musical, quanto mais tempo eles estudaram outras línguas, maior era a tendência deles de ter uma pontuação maior no teste de ritmo (mas não no de melodia).
Uma possível explicação para isso é a diferença nos padrões de acentuação do francês e de outras línguas. Enquanto o acento do francês é sempre fixo nas palavras, sendo determinado no nível frasal, em muitas outras línguas, a acentuação se modifica e é definida no nível das palavras. Outra possibilidade tem a ver com as classes rítmicas das línguas. O ritmo de uma língua pode ser cronometrado em sílaba (como o francês); em tonicidade, isto é, em sílaba tônica (como o inglês); ou em mora (como o japonês). A hipótese é que, se uma pessoa apenas fala francês, ela vai ter uma percepção de ritmo inferior a alguém que também fale outras línguas.
Se você já está pensando “vou aprender uma língua nova para melhorar minha percepção musical”, espere um minuto! Essa relação encontrada entre o aprendizado de línguas e a percepção rítmica não é causal; ela é apenas uma correlação. Isso quer dizer que não se sabe qual fator influencia o outro – e nem mesmo se existe a influência direta de um sobre outro! Existem muitas outras possibilidades que poderiam explicar essa relação. É possível, por exemplo, que pessoas que têm uma percepção rítmica apurada sejam mais motivadas a aprender línguas estrangeiras. Muitos estudos ainda precisam ser feitos antes que nós saibamos como isso acontece exatamente.
E aí, você que fala mais de uma língua, já reparou se o seu ouvido também é bom para música?
Thomaz Offrede
tom.offrede@gmail.com
Referências
[1] Bhatara, A., Yeung, H. H., & Nazzi, T. (2015, January 26). Foreign Language Learning in French Speakers Is Associated With Rhythm Perception, but Not With Melody Perception. Journal of Experimental Psychology: Human Perception and Performance. Advance online publication. http://dx.doi.org/10.1037/a0038736
[2] Fitch, W. T. (2010). The Evolution of Language. New York: Cambridge University Press.
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