O estado de ‘ser feliz’ é um dos mais enigmáticos nos ramos da psicologia e neurociência: não existe uma característica que esteja 100% correlacionada com felicidade – nem saúde, nem dinheiro. Pessoas com condições de vida mais favoráveis não necessariamente são mais felizes: Pessoas que ganharam na loteria, um ano após ganharem milhões de dólares, não se reportam mais felizes do que a população geral.

É possível inferir que o dinheiro é importante para garantir um estado de seguridade, no qual a pessoa não precisa se preocupar com o fato de que pode ou não ter comida na mesa no dia seguinte. Mas, passado esse ponto de pobreza, dinheiro não possui uma relação direta com o grau de felicidade [1]. E, num outro extremo, pessoas paraplégicas e tetraplégicas se reportam com o mesmo nível de satisfação com suas vidas após um ano de seu acidente que as pessoas em geral [2].

Se ‘ser feliz’ é algo tão aparentemente difuso entre pessoas com os mais diversos tipos de problemas, será possível definir, sequer, o que é felicidade?

Desde os tempos de Aristóteles, a felicidade é vista como o conjunto de dois elementos: hedonia e eudaimonia. Hedonia seria a sensação de prazer em si; já eudaimonia pode ser traduzido como ‘uma vida bem vivida’ – o que significa que a pessoa realiza ações e trabalhos que ela julga serem valiosos.

Esses dois conceitos possuem mais de 2300 anos e permeiam a definição de felicidade até hoje. Um estudo de 2007 observou que a maioria das pessoas que se auto-reportou feliz, possui tanto uma alta hedonia quanto uma alta eudaimonia. Esse mesmo estudo afirmou que um nível muito alto de felicidade pode afetar negativamente a qualidade de vida das pessoas, pois gera um conformismo com sua realidade atual [3]. Um certo nível de insatisfação com seu estado é necessário para que a pessoa saia de sua zona de conforto em busca por uma vida melhor.

Hoje se sabe que não existem regiões determinadas do cérebro relacionadas com a felicidade ou, pelo menos, não do mesmo jeito que existem regiões corticais relacionadas com fome e com olfato. Aparentemente, existem diversas regiões do córtex pré-frontal e do tronco cerebral são ativadas quando atividades prazerosas são realizadas.

Uma dessas regiões é o sistema límbico, que é constituída por uma série de estruturas basais que são muito antigas na nossa história evolutiva – répteis possuem, essencialmente, a mesma arquitetura dessas regiões que os mamíferos. Esse sistema está associado com hedonia e são responsáveis por sensações de prazer que reforçam atividades importantes para a sobrevivência do animal, como alimentação e sexo. Em humanos, existe uma sobreposição dessas áreas quando se pensa em prazeres naturais e prazeres de ‘ordem maior’, como música e arte.

E, aparentemente, as regiões no nosso cérebro responsáveis por ‘gostar’ de algo e ‘querer’ algo, são diferentes. Quando gostamos de algo, utilizamos partes cérebro que sugiram mais recentes na história evolutiva, o córtex pré-frontal (orbitofrontal, cingulado, prefrontal medial). Em um estudo, foi descoberto que essas áreas são mais ativadas quando nós fazemos gestos de generosidade para outras pessoas do que para nós mesmos – esse altruísmo, talvez, tenha sido importante para nossos ancestrais poderem compartilhar comida e estabelecer laços de união com sua tribo [4].

A área cerebral relacionada ao ‘querer’ é mais antiga na história evolutiva, leva o nome de sistema mesolímbico e não tem nenhuma relação com ‘gostar’. Isso é possível de ser observado em comportamentos de vício: depois de alguns anos de uso de uma droga, a pessoa tem plena consciência de que aquilo não faz bem e pode passar, até mesmo, a não gostar mais da ação de fumar ou beber, mas mesmo assim não consegue parar. Essa relação significa que o sistema mesolímbico estabeleceu um hábito muito forte, e este não tem nenhuma relação com a parte cognitiva e lógica do indivíduo – essa dissonância cognitiva certamente é uma receita para infelicidade.

Segundo Cal Newport, em seu livro ‘So Good They Can’t Ignore You’, o que a maioria das pessoas entende por felicidade é, na verdade, uma busca frívola: felicidade não é conseguida ao ser almejada por si mesma, mas sim como consequência de um trabalho contínuo e obtenção da maestria sobre uma área do conhecimento. Explico, em seu livro, Newport entrevista diversos experts de diferentes áreas: desde agrônomos, músicos e até mesmo ferreiros. Todos dizem que não imaginavam serem felizes trabalhando em suas áreas, mas ao longo do tempo eles desenvolveram habilidades cada vez mais únicas e valiosas, que então fomentaram o desejo por crescimento contínuo em suas profissões. O amor pelo trabalho e o sentimento de satisfação pessoal não foram inatos, mas surgiram a partir do desenvolvimento da maestria que veio com a prática [5].

No livro ’12 Rules for Life’, o psicólogo Jordan Peterson argumenta que a felicidade se encontra na intersecção da ‘ordem’ e do ‘caos’. A ordem, segundo o autor, é a situação em que você consegue antecipar os acontecimentos da sua vida. Como é possível imaginar, essa é uma situação confortável e previsível, porém que não gera crescimento. O caos, por outro lado, é uma situação imprevisível, na qual seu conhecimento de mundo não é suficiente para antecipar o que vai acontecer. É desconfortável e anárquico, porém gera crescimento e fomenta a criatividade. A felicidade, segundo o autor, surge quando você tem o equilíbrio entre esses dois elementos: você vive uma vida confortável e em ordem, porém você busca o caos com alguma frequência, para expandir seus conhecimentos e aumentar suas capacidades [6].

Talvez uma ‘definição’ de felicidade mais abrangente seja uma onde a sua visão de mundo coincida com as suas ações. Se você julga que escrever é importante, o hábito diário da escrita vai ser uma fonte de satisfação pessoal muito grande. E é possível que não exista uma ‘fórmula mágica’ da felicidade porque os anseios pessoais, desejos e vontades variam muito de pessoa para pessoa e ao longo de suas vidas.

Portanto é importante pensar ativamente sobre o que lhe faz feliz e integrar ações no seu dia-a-dia para que você consiga ativar essas regiões de satisfação no seu cérebro: essa é, atualmente, a única fórmula da felicidade que a ciência pode lhe oferecer.

Por Vinícius Borges
contato@viniciusborges.com

Referências

[1] Kahneman, D. (1999). Objective happiness. In D. Kahneman, E. Diener, & N. Schwarz (Eds.), Well-being: The foundations of hedonic psychology (pp. 3-25). New York, NY, US: Russell Sage Foundation.

[2 ]Brickman, P. & Coates, D. & Janoff-Bulman, R. (1978). Lottery winners and accident victims: Is happiness relative? Journal of Personality and Social Psychology, 36, 917- 927.

[3] Oishi S, et al. The Optimal Level of Well-Being: Can We Be Too Happy? Perspectives on Psychological Science. 2007; 2:346–60.

[4] Park, Soyoung Q; Kahnt, Thorsten; Dogan, Azade; Strang, Sabrina; Fehr, Ernst; Tobler, Philippe N (2017). A neural link between generosity and happiness. Nature Communications, 8:15964. DOI: https://doi.org/10.1038/ncomms15964

[5] Newport, Cal. So Good They Can’t Ignore You: Why Skills Trump Passion in the Quest for Work You Love. New York, NY: Business Plus, 2012

[6] Peterson, Jordan. 12 Rules for Life: An Andictode to Chaos. London, UK. Penguin Books, 2018.

 

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