Durante as aulas de zoologia, muitos dos meus alunos sempre me perguntavam os famosos “porquês”: por que o avestruz não voa? Por que os bebês tubarões podem matar seus irmãos no útero? Por que isso? Por que aquilo? Antes de responder a qualquer uma destas questões, eu sempre dizia aos alunos “Vamos pensar quais seriam as implicações evolutivas desses comportamentos!”. Isso porque, quando estudamos biologia, temos que ter em mente os princípios de evolução. Como disse Theodosius Dobzhansky: “Nada na biologia faz sentido, exceto à luz da evolução”.
Porém, nem sempre é tão fácil entender por que alguns comportamentos são mantidos e é neste ponto que entra nosso texto dessa semana: por que será que uma espécie de sapos da Mata Atlântica é surda a sua própria voz? Ficou curioso? Vem conferir a resposta!
O sapinho-pingo-de-ouro (Brachycephalus sp), que mede em média 2 cm e que apresenta uma forte cor laranja na sua pele, vive na serrapilheira da Mata Atlântica e, pelo que indicam as pesquisas, é surdo ao seu próprio canto. A vocalização é importante em várias espécies de animais como forma de atrair parceiros reprodutivos ou para defender seu território; porém, ela tem seu revés, já que pode atrair predadores e parasitas e demanda energia.
Em experimentos feitos com as espécies Brachycephalus ephippium e B. pitanga, os pesquisadores usaram uma gravação do canto dos sapinhos e perceberam que os indivíduos se mostraram inertes ao canto, permanecendo onde estavam ou fazendo o que faziam, sem mostrar mudança de comportamento.
Para saber se os sapos eram realmente surdos ou se escutavam mas não reagiam ao canto feito por outros sapinhos, foram realizados outros dois experimentos. Primeiro, foi investigada a sensibilidade auditiva e a transmissão do som ao nervo auditivo através de experimentos de bioacústica; os resultados mostraram que os sapos da Mata Atlântica não conseguem captar ou transmitir sons de frequências maiores que 1kHz, que corresponde justamente ao som de seu canto.
Já nos estudos anatômicos, feitos a partir da reconstrução 3D do aparelho auditivo, os resultados mostraram que as duas espécies de sapinhos brasileiros não possuem conexão entre a papila basilar – uma importante parte do sistema auditivo – e os nervos que transmitem a onda sonora ao cérebro. Esta degeneração anatômica faz com que os sapinhos não consigam captar e transmitir as ondas sonoras de alta frequência, corroborando com os dados de bioacústica.
Assim, a união dos estudos de bioacústica, de anatomia e de comportamento concluiu que as duas espécies de sapo do gênero Brachycephalus não conseguem captar e transmitir ondas sonoras de frequências correspondentes ao seus cantos; desta forma, eles emitem o som, porém não respondem ao estímulo de seus iguais.
Segundo os pesquisadores, é muito provável que estejamos observando o processo evolutivo em ação: a perda recente e gradativa de parte da estrutura auditiva, muito embora a vocalização ainda seja mantida, pois a movimentação dos sacos vocais pode ser um atrativo às fêmeas da espécie. Para evitar a predação, os sapinhos se utilizam da sua alta toxicidade (mostrada pela cor viva de sua pele).
Viu como entender o contexto evolutivo é importante? Além disso, vale ressaltar que este estudo é inédito, pois até então não se conhecia espécie de animal que fosse surda a sua própria frequência emitida, sendo este o primeiro relato.
Até a próxima,
Por Nathália de Moraes
Referências
[1] Guimarães, M. (2017). Sapinhos da Mata Atlântica são surdos à própria voz. Pesquisa FAPESP. Acessado de http://revistapesquisa.fapesp.br/2017/09/21/sapinhos-da-mata-atlantica-sao-surdos-a-propria-voz/?cat=noticias em dezembro de 2017
[2] University of Cambridge. (2017). Scientific Reports: tiny Brazilian frogs are deaf to their own calls. Acessado de https://www.pdn.cam.ac.uk/news/scientific-reports-tiny-brazilian-frogs-are-deaf-to-their-own-calls em dezembro de 2017
[3] The Hearing Review. (2017). Brazilian Frogs Unable to Perceive Sound of Own Calls, Study Shows. Acessado de http://www.hearingreview.com/2017/09/brazilian-frogs-unable-perceive-sound-calls-study-shows/ em dezembro de 2017
[4] Goutte, S. et al. (2017). Evidence of auditory insensitivity to vocalization frequencies in two frogs. Nature. doi:10.1038/s41598-017-12145-5. Acessado de https://www.nature.com/articles/s41598-017-12145-5 em dezembro de 2017.
[5] Imagem em destaque: https://rilm.files.wordpress.com/2013/02/frogs.jpg
Mais um fantastico passatempoobrigado