A humanidade vem, desde seu surgimento, apresentando progressos científicos nas mais diversas áreas de interesse da sociedade, como agricultura, engenharia, medicina, dentre outros. Em particular, a medicina moderna acrescenta a cada dia, descobertas importantes em áreas de investigação destinadas ao desenvolvimento de novos tratamentos para doenças ainda incuráveis. Muitas destas doenças são causadas por alterações no DNA (molécula que carrega as informações genéticas), mais especificamente em um determinado gene (segmento de DNA), responsável pela produção de uma determinada proteína funcional.
Neste sentido, surgiu no final do século XX o conceito da terapia gênica, que pode ser definido como o procedimento destinado a introduzir em um organismo vivo, genes sadios, para substituir genes inativos ou não funcionais (Linden, 2010). A primeira aplicação na clínica médica aconteceu nos anos 90 em um paciente que sofria de uma doença causada pela deficiência da enzima (que é uma proteína) adenosina desanimase (ADA), importante para o desenvolvimento do sistema imune. Na ocasião, após baixa eficiência com o tratamento convencional, os médicos decidiram optar pelo tratamento experimental baseado na terapia gênica, na qual foi comprovada a eficácia da abordagem utilizada (Anderson et al, 1990). Entretanto, apesar dos bons resultados obtidos anteriormente, existem alguns desafios que precisam ser superados, dentre eles o principal é a questão da segurança relacionada aos vetores de entrega gênica (Linden, 2010).
Vetores são definidos como agentes que, associados ao gene terapêutico, são responsáveis pela sua proteção e transporte do exterior para o interior da célula alvo, fenômeno este conhecido como “entrega gênica”. Os vetores de entrega gênica são basicamente classificados em dois tipos, os vetores virais e os vetores não virais. Os vetores virais consistem basicamente em vírus atenuados (adenovírus, retrovirus, etc) sem os genes envolvidos na patogenicidade e proliferação viral. Eles são considerados muito eficientes na entrega do material genético em comparação aos vetores não virais (Entenda mais do mecanismo no Box 1). Entretanto, mesmo com os avanços científicos os vetores virais são ainda pouco seguros, geralmente associados a respostas imunológicas adversas (Edelstein et al, 2007; Saccardo et al, 2009). Por isso tem crescido as pesquisas focadas no desenvolvimento de vetores não virais eficientes, que possuam principais vantagens dos vírus, porém sem causar os efeitos indesejados (patogenicidade, toxicidade e reações inflamatórias e imunes).
Um trabalho recente publicado pelo grupo do professor Adriano Azzoni da faculdade de engenharia química da USP desenvolveu um vetor não viral composto por proteínas multifuncionais e lipossomas catiônicos (Entenda mais como funcionam os vetores não virais no Box 2). Os resultados mostraram que o vetor foi capaz de aumentar a eficiência de transfecção (transporte) do DNA ao núcleo da célula de mamíferos. Entretanto, a combinação dos compostos (proteínas e lipossomas) em altas concentrações da proteína se mostrou tóxica para as células (Alves et al., 2017).
Recentemente, foi aprovada nos EUA, pela a FDA (Food and Drug Administration), a primeira terapia gênica para tratamento contra o câncer em humanos. Os resultados mostram que a terapia gênica tem grande potencial de transformar a medicina, criando a esperança para tratar, e até mesmo curar, muitas doenças consideradas intratáveis.
Rafael Ferraz Alves
rferrazalves@gmail.com
Referências:
Alves, R. F., Favaro, M. T. P., Balbino, T. A., de Toledo, M. A. S., de la Torre, L. G., & Azzoni, A. R. (2017). Recombinant protein-based nanocarriers and their association with cationic liposomes: Characterization and in vitro evaluation. Colloids and Surfaces A: Physicochemical and Engineering Aspects, 513, 1–10. https://doi.org/10.1016/j.colsurfa.2016.11.019
Anderson WF, Blaese RM, Culver K. The ADA human gene therapy clinical protocol: Points to Consider response with clinical protocol. Hum. Gene Ther., N° 3, V1(1990),331-62.
Edelstein ML, Abedi MR, Wixon J. Gene Therapy Clinical Trials worldwide to 2007 an update. J Gene Med.9, N°10(2007) 833-842.
Linden R. Terapia gênica: o que é, o que não é e o que será. Estudos Avançados (USP. Impresso). 24, N°70 (2010) 31-69.
Ruponen M, Arkko S, Urtti A, Reinisalo M, Ranta VP. Intracellular DNA release and elimination correlate poorly with transgene expression after non-viral transfection. J Control. Release. 136 (2009), 226-231.
Saccardo P, Villaverde A, Gonçales NM. Peptide-mediated DNA condensation for non viral gene therapy. Biotechnology Advances. 27, N° 4 (2009) 432-438
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