O teste do pezinho, também chamado de triagem neonatal, teve início no Brasil na década de 1980. Inicialmente, o teste era realizado para obter o diagnóstico precoce de fenilcetonúria e hipotireoidismo congênito, que podem levar ao comprometimento do desenvolvimento intelectual, entre outros problemas [1]. Atualmente, o teste pode detectar de seis a 46 doenças, dependendo da categoria (básico, ampliado ou expandido). Obter o diagnóstico precoce dessas doenças é importante para um tratamento mais eficaz e ajuda na qualidade de vida da criança e da família.

As doenças genéticas hereditárias são aquelas causadas por mutações em genes passados de pais para os filhos. Já existe um grande número de doenças genéticas conhecidas e o projeto genoma humano, associado às novas técnicas de sequenciamento de DNA, têm permitido a detecção de diversas mutações que aumentam a predisposição a problemas cardíacos, câncer, entre outras doenças. O sequenciamento do exoma é uma dessas técnicas que permite a análise rápida do DNA.

Pesquisadores de instituições de Boston, nos Estados Unidos, iniciaram em 2012 o projeto BabySeq [2]. O projeto tem como objetivo examinar maneiras de usar ferramentas genéticas na pediatria. Os testes iniciais propõem observar os efeitos psicológicos de fazer uma análise de DNA no recém-nascido. Existe uma grande preocupação sobre como as famílias podem reagir a um diagnóstico de propensão a alguma doença. O diagnóstico precoce de uma doença, em geral, ajuda na eficácia do tratamento e na redução dos riscos de sequelas para a criança. Entretanto, detectar uma propensão a uma doença pode ter consequências não tão favoráveis. Os pais podem tratar o filho como uma criança mais frágil, mesmo que a doença nunca chegue a ter início, o que pode atrapalhar o desenvolvimento da criança e a relação entre os integrantes da família. A informação sobre uma possível doença também pode aumentar os níveis de ansiedade nos pais e pode causar um distanciamento consciente ou inconsciente entre pais e filho. Além disso, o pai ou a mãe pode sentir-se culpado(a) por passar um gene desvantajoso para a criança ou pode culpar o parceiro por isso, o que pode levar ao aumento do estresse psicológico e aumentar o risco de depressão [3].

O uso do sequenciamento de DNA para a detecção de propensão a doenças ainda é muito controverso. Para tentar esclarecer as possíveis consequências benéficas ou não dessa técnica, um estudo tem acompanhado os efeitos dessa análise na rotina de famílias nos Estados Unidos. Resultados preliminares apontam preocupações dos pais quanto à privacidade, quanto ao uso dessas informações por planos de saúde e quanto aos níveis de ansiedade na família.
Por enquanto, o sequenciamento do exoma ainda não vai substituir o teste do pezinho, mas existem pesquisadores buscando melhorar e acelerar o diagnóstico de doenças e a qualidade de vida das pessoas. Entretanto, é importante conhecer as possíveis consequências problemáticas de novas tecnologias.

O filme “Gattaca – Experiência Genética” (1997) é um filme e ficção que mostra uma possível consequência, nem sempre vantajosa, de usar exames como a análise genômica associada ao desejo da humanidade de “melhorar”. Existem muitas maneiras de usar a informação e as consequências podem ser as mais diversas. Por isso, enquanto o sequenciamento do exoma não é uma rotina, vamos acompanhar os resultados de pesquisas como o projeto BabySeq antes de formar uma opinião sobre o assunto.

por Patricia S. Sujii

sujiips@gmail.com

[1] Sociedade Brasileira Neonatal – http://www.sbtn.org.br/pg_soc_historico.htm
[2] BabySeq Project – http://www.genomes2people.org/babyseqproject/
[3] Frankel, L. A., Pereira, S., & McGuire, A. L. (2016). Potential Psychosocial Risks of Sequencing Newborns. Pediatrics, 137(Supplement 1), S24-S29.
[4] Waisbren, S. E., Bäck, D. K., Liu, C., Kalia, S. S., Ringer, S. A., Holm, I. A., & Green, R. C. (2014). Parents are interested in newborn genomic testing during the early postpartum period. Genetics in Medicine, 17(6), 501-504.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.