Fraudes em óleos comestíveis não são novidades. Em 2021, o Governo Federal suspendeu a venda de 24 marcas de azeite de oliva que estavam irregulares. Mais recentemente, o INMETRO reprovou mais 4 de 10 marcas analisadas. Mas será que a falsificação ou adulteração de óleos é restrita aos azeites? Infelizmente não. Em um trabalho independente e submetido a publicação em revistas científicas, os professores Fábio Perazzo e Renato Menegon, ambos da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), testaram a qualidade do óleo de prímula comercializado no Brasil e, assim como os azeites, 11 de 14 amostras foram reprovadas. Mas o que é e para que serve o óleo de prímula? Qual o risco para nossa saúde? Quem fiscaliza e o que podemos fazer para exigir a qualidade destes óleos especiais?
Óleo de prímula na saúde da mulher
Existem numerosos estudos científicos que ilustram a atenuação de várias respostas inflamatórias, além do alívio dos sintomas da TPM e da menopausa, como cólicas, dores nas mamas e irritabilidade, com o uso de dietas suplementadas com o ácido gama-linolênico. No entanto, não há um consenso científico acerca da segurança, ou mesmo da eficácia desta suplementação. Pesquisadores da Universidade Ludwig Maximilians de Munique, na Alemanha, publicaram na revista científica British Journal of Nutrition, em 2008, um trabalho que correlacionou o consumo contínuo dos óleos de peixe e de prímula ao acúmulo de ácido araquidônico no organismo. O ácido araquidônico é uma substância existente no organismo, responsável pelo início da inflamação, levando ao inchaço, dor e vermelhidão nas partes do corpo onde nos machucamos, por exemplo. De acordo com esta pesquisa, o acúmulo deste ácido pode neutralizar os efeitos terapêuticos do próprio óleo de prímula, que é justamente uma ação anti-inflamatória. Este impasse sobre a atividade pró-inflamatória ou anti-inflamatória foi bem demonstrado pelo grupo de pesquisadores da Wake Forest School of Medicine (EUA), e publicado na revista científica European Journal of Pharmacology, em 2016. De qualquer maneira, médicos e pacientes devem ser alertados de que um acúmulo de araquidonato nos tecidos pode promover inflamação, trombose e imunossupressão subsequentes, e jamais devemos iniciar qualquer tratamento, mesmo auxiliares, sem a orientação e acompanhamento de profissionais da saúde.
Qual a qualidade do óleo de prímula disponível no mercado brasileiro?
No Brasil, os parâmetros que determinam a qualidade do óleo de prímula e de outros óleos especiais estão descritos na Instrução Normativa nº 87, elaborada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, ANVISA. Nesta norma, para que o óleo de prímula seja considerado adequado, ou verdadeiro, ele deve apresentar quantidades mínimas e máximas dos ácidos gama-linolênico e linolêico. Se estes ácidos não estiverem presentes nas quantidades ideais, então a amostra não pode ser considerada óleo de prímula, ou então, foi adulterada. Embora esta norma tenha sido elaborada pela ANVISA, em total concordância com outras normas internacionais, a fiscalização da qualidade destes óleos comercializados no Brasil não é realizada com o mesmo rigor, tornando os consumidores reféns das informações apresentadas e declaradas no rótulo pelo próprio fabricante.
Para testar tanto a qualidade dos óleos de prímula bem como comparar as informações apresentadas nos rótulos das embalagens disponíveis no mercado, os pesquisadores do Laboratório de Insumos Naturais e Sintéticos da Universidade Federal de São Paulo (LINS/Unifesp), professores Fábio Perazzo e Renato Menegon, adquiriram 14 amostras de óleo de prímula, sendo 11 delas na forma de cápsulas gelatinosas, e outras 3 em embalagens de 250 mL do óleo puro. Todas as amostras tiveram suas composições químicas de ácidos graxos determinadas experimentalmente, depois, comparamos estas composições com as informações dos rótulos.
O que foi avaliado? E o que foi encontrado?
Para surpresa de toda a equipe, das 14 amostras analisadas, apenas duas puderam ser consideradas Óleo de Prímula!!! As demais foram compatíveis com óleo de soja! Ou seja, o consumidor compra óleo de prímula “extra virgem”, e recebe óleo de soja refinado.
Qual o risco para nossa saúde?
A ingestão de óleo de soja em si não é um problema alarmante, uma vez que este óleo é destinado ao consumo direto, sendo uma importante fonte de óleos ⍵-3, representados pelo ácido alfa-linolênico, que apresentam potenciais efeitos cardioprotetores, anti-inflamatório e auxiliar na função e no comportamento do sistema nervoso central.
Por outro lado, os ácidos linolêico e gama-linolênico, os dois principais óleos responsáveis pelas propriedades esperadas do óleo de prímula, são praticamente ausentes no óleo de soja.
Desta forma, a consumidora paga caro por um óleo especial, que deveria auxiliá-la no tratamento de sintomas específicos da menopausa, por exemplo, mas segue por meses com um tratamento frustrante que jamais resultará nos benefícios esperados.
Quem fiscaliza estes óleos no Brasil?
Infelizmente, evidências indicam que a fiscalização não é feita como deveria ser. Em um estudo realizado em 2018 por pesquisadores da Universidade de São Paulo, publicado na revista científica Food Chemistry, os pesquisadores chegaram à conclusão de que mais de 80% dos óleos de prímula comercializados na cidade de São Paulo estavam adulterados. Hoje, 6 anos mais tarde, observamos que nenhuma atitude foi tomada por parte das agências fiscalizadoras.
O que nós, consumidores, podemos fazer?
Divulgar esta informação, para que possamos cobrar e exigir das autoridades que, minimamente, os produtos destinados ao consumo humano, principalmente aqueles que se destinam a auxiliar o tratamento de alguma condição física, ou a prevenir o desenvolvimento de alguma doença, sejam efetivamente fiscalizados. Conforme demonstrado, muitos produtos à base de óleo de prímula comercializados no Brasil são adulterados. A fiscalização, se existir, é falha, e o consumidor continua sendo enganado, pagando caro por produto especial, mas consumindo produtos misturados com óleo de soja comum.
Por Prof. Fábio Ferreira Perazzo e Prof. Renato Farina Menegon
ffperazzo@unifesp.br
renato.farina@unifesp.br
Referências:
https://asmetro.org.br/portalsn/2021/12/18/governo-suspende-venda-de-24-marcas-de-azeite-de-oliva/
Geppert, J. et al.; British Journal of Nutrition, Vol. 99, n. 2 (2008), 360-369.
Sergeant, S.; Rahbar, E.; Chilton, F.H. European Journal of Pharmacology. Vol. 785, n. 15 (2016), 77-86.
da Silva, S.A.; et al. Food Chemistry, vol. 245 (2018), 798-805.