A “hora do café” pode ser um momento de relaxar, encontrar colegas de outros departamentos e conversar sobre amenidades, mas um grupo de pesquisadores espanhóis usaram esse tempo para pensar também sobre ciência. Enquanto tomavam um café espresso, feito em uma máquina doméstica cada vez mais comumente encontrada em casas, escritórios, etc., eles se perguntaram: “O que será que vive nos restos de pó de café que fica na máquina?”. Na introdução do artigo dessa pesquisa, eles descrevem diversas razões para estudar microrganismos que vivem no café, mas é possível que a primeira motivação dessa pesquisa tenha sido pura curiosidade.
O café, assim como o chá (preto, verde e branco) e alguns refrigerantes são ricos em cafeína, um composto produzido pelas árvores de café (Coffea arabica e Coffea canephora) e de chá (Camellia sinensis) que tem propriedades que afastam os herbívoros que poderiam se alimentar das plantas. Além disso, a cafeína também tem propriedades antibacterianas. Então, o café tende a ser um ambiente pouco propício para o crescimento de micro-organismos. Porém, existem bactérias capazes de sobreviver nos mais diversos ambientes, como já apresentamos em uma matéria anterior (leia mais aqui e aqui), então os pesquisadores investigaram quais seriam essas bactérias adaptadas a ambientes ricos em cafeína.
O consumo do café para nós está relacionado com as propriedades estimulantes do sistema nervoso central que a cafeína possui. Entre outros efeitos já estudados da cafeína, podemos citar a melhora da memória de longo prazo e da performance nos esportes, a inativação de células associadas ao câncer de mama e a redução do risco de diabetes tipo 2. Entretanto, o consumo de café está muitas vezes associado a diversos outros comportamentos danosos à saúde, como dormir pouco, vida estressante, alimentação ruim, etc. então beber muito café não necessariamente vai te tornar uma pessoa saudável!
O estudo avaliou os restos de café coletados nas bandejas onde caem os respingos de máquinas Nespresso. Os cientistas sequenciaram o gene de rRNA 16S (saiba mais sobre esse gene no box) presente nos restos de café amostradas e encontraram entre 35 e 67 gêneros de bactérias. Após a limpeza da máquina, as bactérias recolonizaram o compartimento rapidamente. No primeiro dia após o uso já foi possível detectar bactérias. Além disso, eles encontram diversas bactérias capazes de causar doenças. Então, preste atenção à limpeza do compartimento com restos de café da máquina de expresso da sua casa, escritório, laboratório…
Com o passar do tempo e quanto maior o uso da máquina, maior foi a diversidade de bactérias presentes, mas após poucas semanas sem limpeza, foram encontradas principalmente bactérias adaptadas a ambientes ricos em cafeína. O segundo gênero mais comum nas amostras foi Pseudomonas, um dos poucos gêneros conhecidos que contêm espécies capazes de degradar cafeína. A partir da deste estudo e da descoberta de bactérias adaptadas a ambientes ricos em cafeína, pode-se pensar na aplicação de micro-organismos úteis para o processo de obtenção de café descafeinado e para a descontaminação de ambientes ricos em cafeína.
Quem pensa que a pausa pro café no meio da tarde é um momento improdutivo já pode começar a rever seus conceitos. Quem sabe na sua próxima pausa surja a ideia pra um trabalho que vai sair na Nature (uma das mais prestigiadas revistas de ciências do mundo)?
por Patricia Sanae Sujii
sujiips@gmail.com
Referência
Vilanova, C., Iglesias, A., & Porcar, M. (2015). The coffee-machine bacteriome: biodiversity and colonisation of the wasted coffee tray leach. Scientific reports, 5.