Quem acompanha nossos textos já sabe que os usos da genética vão muito além dos testes de paternidade e dos transgênicos. A genética também é importante para o diagnóstico de doenças, para compreensão da história evolutiva de uma espécie ou de ou grupo de espécies, para entendermos melhor como nosso corpo funciona e essa lista é tão grande que poderia preencher páginas e mais páginas de texto. Recentemente, pesquisadores e profissionais que trabalham com reflorestamento, em especial os que fazer restauração ecológica, têm começado a utilizar a genética como ferramenta para obter melhores resultados.

Se você nunca imaginou que a genética possa ser usada para proteger a biodiversidade, veja o vídeo abaixo.

Assim como em humanos, diversas espécies de animais e de plantas podem ser prejudicadas pelo cruzamento entre indivíduos aparentados. Provavelmente, o cruzamento entre primos ou parentes distantes não é muito problemático, mas o cruzamento entre irmãos aumenta a chance de aparecimento de doenças genéticas e de problemas no desenvolvimento do organismo. Em algumas espécies de plantas, isso pode ser observado com diminuição da chance de germinação da semente, com retardo no crescimento, com erros na formação da estrutura da planta e com a diminuição de fertilidade. Esse tipo de informação sobre a planta é importante na hora de escolher sementes e mudas para plantar em uma área de reflorestamento.

Se uma espécie sofre quando cruzada com um parente, não podemos plantar apenas sementes de uma ou duas árvores em uma área a ser recuperada, pois todos os indivíduos seriam aparentados. Então, neste caso, é importante escolher mudas e sementes diferentes umas das outras, ou seja, com alta diversidade genética.

Além disso, imagine uma floresta plantada apenas com clones de uma mesma planta. Isso é facilmente obtido para várias espécies de plantas, porque podemos gerar novas mudas a partir de galhos de uma mesma árvore, por exemplo. Nesse caso, todos os indivíduos seriam idênticos geneticamente e seriam suscetíveis às mesmas pragas e doenças, teriam exatamente a mesma necessidade de nutrientes e água e teriam os mesmo requisitos de condições climáticas. Qualquer mudança no ambiente poderia matar todas as plantas da floresta. Se a floresta é plantada com alta diversidade, os indivíduos teriam necessidades e preferências um pouco diferentes uns dos outros, o que aumenta a chance de sobrevivência de alguns deles em caso, por exemplo, de mudanças nos regimes de chuvas.

A restauração ecológica é um tipo de recuperação de áreas degradadas em que os agentes se preocupam em recuperar a cobertura vegetal e também os processos ecológicos naturais. Entre esses processos estão as interações entre espécies (polinização, dispersão de sementes, herbivoria, predação, etc.) e a capacidade de resistir a mudanças e de evoluir conforme o ambiente também muda. Então, a restauração ecológica tem a preocupação em recuperar áreas com espécies diferentes, capazes de interagir uma com a outra e também de recuperar as populações de plantas com alta diversidade genética.

Um conjunto de estudos recentes com quatro espécies diferentes da Mata Atlântica, feito por um grupo de pesquisadores e estudantes da Unicamp e da Esalq/USP (do qual eu fiz parte), mostrou que é possível recuperar a diversidade genética em áreas degradadas. As áreas estudadas já foram plantações de cana-de-açúcar e hoje estão cobertas por vegetação nativa e têm uma diversidade genética semelhante à encontrada em florestas nativas. Além disso, um desses estudos mostrou que abelhas polinizadoras estão conseguindo cumprir seu papel e levar pólen de uma planta para outra dentro da área de restauração e entre fragmentos de mata vizinhos.

Todos esses resultados são animadores, porque a área de vegetação nativa já foi muito reduzida em todo o país. Então, mesmo que nada mais seja desmatado, ainda precisamos recuperar algumas áreas e agora sabemos que a restauração ecológica pode ser uma boa alternativa.

por Patricia S. Sujii

sujiips@gmail.com

Referências:

Zucchi, M. I., Sujii, P. S., Mori, G. M., Viana, J. P., Grando, C., Silvestre, E. D. A., … & Siqueira, M. V. (2017). Genetic diversity of reintroduced tree populations in restoration plantations of the Brazilian Atlantic Forest. Restoration Ecology. http://rdcu.be/yf5m

Sujii, P. S., Schwarcz, K. D., Grando, C., de Aguiar Silvestre, E., Mori, G. M., Brancalion, P. H., & Zucchi, M. I. (2017). Recovery of genetic diversity levels of a Neotropical tree in Atlantic Forest restoration plantations. Biological Conservation, 211, 110-116. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0006320716307856

 

Vídeo: https://youtu.be/C7zqNBxDWVQ

Este vídeo está disponível para download e utilização desde que a fonte seja citada. Se você utilizar nosso vídeo, comentários e relatos de experiência são muito bem vindos: sujiips@gmail.com

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