A ideia de termos animais geneticamente modificados sendo liberados nos nossos quintais nos faz pensar em filmes de ficção científica, mas esse tipo de cenário está cada vez mais próximo de se tornar realidade. A partir de abril, mosquitos Aedes aegypti transgênicos devem ser introduzidos no bairro Cecap de Piracicaba, no interior de São Paulo. O Ministério Publico Estadual recomendou a suspensão do projeto, acatando a representação do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente de que o Aedes transgênico não tem aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas a intenção da prefeitura é que o impasse seja resolvido até a data da soltura.
A utilização de transgênico é um assunto que gera muita polêmica, mas você sabe o que são transgênicos? Quais os ricos e benefícios envolvidos na utilização dos mesmos? Como diz o antigo provérbio, “conhecimento é poder” então, antes de ter uma opinião radical contra ou a favor dos transgênicos, acompanhe a matéria!
A dengue é uma doença causada por um vírus que é transmitido pela fêmea do mosquito Aedes aegypti. Várias pesquisas têm sido realizadas para tentar encontrar uma vacina contra o vírus e, em paralelo, para tentar diminuir o número de mosquitos. Até agora, nenhuma vacina eficaz foi encontrada e, apesar dos esforços e avanços na contenção da proliferação dos mosquitos, o número de casos de dengue tem crescido rapidamente no Brasil. De acordo com o Ministério da Saúde, em 1990, foram registrados pouco mais de 40 mil casos, enquanto em 2013 esse número subiu para quase 1 milhão e meio (para ver o números para cada estado e região, clique aqui [1].
Para tentar combater o problema, um grupo de pesquisadores da empresa Oxitec (Inglaterra) desenvolveu uma linhagem de mosquitos machos “estéreis” usando biotecnologia. Os machos são capazes de copular com as fêmeas assim como os machos “normais” [2]. A diferença é que a prole dos machos transgênicos não se desenvolve normalmente e não passam da fase de larva. Assim, em pouco tempo a população de mosquitos diminui drasticamente [3]. Para entender como esse gene funciona e como é possível obter machos transgênicos adultos, veja o box.
Interferir no genoma de um organismo tem o potencial de trazer consequências indesejadas. Então, para entender melhor quais os potenciais riscos de liberar mosquitos transgênicos, pesquisas têm sido feitas e reuniões têm sido organizadas desde 1991 entre pesquisadores, agências reguladoras, membros do comitê de biossegurança. A partir dessas reuniões, vários riscos potenciais foram identificados. A maioria dos riscos são insignificantes, mas alguns podem ser um problema. Abaixo estão listados alguns dos riscos. Para saber mais sobre os demais riscos, veja os artigos originais: [4, 5].
1. Aumento na transmissão da dengue: risco baixo
Os grupos de discussão avaliaram a possibilidade dos machos começarem a picar, mas eles não possuem estrutura bucal, nem do trato digestivo nem são capazes de produzir os anti-coagulantes necessários.
Também existe a possibilidade das fêmeas se tornarem mais agressivas ou aumentarem o número de picadas, aumentando o potencial de transmissão da dengue. Esse tipo de comportamento ainda não foi observado em laboratório, mesmo após 100 gerações.
Como apenas as fêmeas são capazes de nos picar e apenas os machos são liberados nas áreas de infestação, o aumento inicial do número de mosquitos nas áreas onde são liberados não deve causar aumento no número de indivíduos transmissores.
2. Aumento na resistência a inseticidas: risco baixo
O gene inserido nos machos transgênicos tem como objetivo diminuir a sobrevivência das larvas, então provavelmente eles seriam tão sucetíveis a inseticidas quanto os mosquitos selvagens. Entretanto, mais pesquisas precisam ser feitas para determinar com mais precisão a suscetibilidade a inseticidas.
3. Efeitos sobre a cadeia alimentar na natureza: risco baixo
Como o Aedes aegypti não é uma espécie nativa do Brasil, a redução da sua população não deve causar problemas para o equilíbrio do ecossistema.
4. Aumento do número de outras espécies de mosquitos: risco médio
É possível que as populações de outras espécies de mosquito como Aedes albopictus (também transmissor da dengue) aumente pela diminuição da competição.
5. Contaminação do solo e da água: risco baixo
As proteínas produzidas pelo gene letal são digeridas tanto por mamíferos como por outros insetos, mas é necessário realizar estudos do potencial de contaminação do solo e da água.
6. Presença de tetraciclina no ambiente: risco baixo
A eficácia do gene letal pode ser reduzida se houver tetraciclina no ambiente (veja o motivo no box).
7. Instabilidade do gene introduzido: risco insignificante
É possível que o gene inserido não funcione corretamente e falhe em inviabilizar o desenvolvimento das larvas. Os estudos mostraram que o gene é estável por pelo menos 50 gerações. Como as larvas com o gene inserido morrem antes de se tornarem adultos, em teoria esse gene só é passado para uma geração.
8. Transferência do gene letal para os humanos: risco insignificante
Existe uma remota possibilidade do gene letal ser transferido para bactérias que vivem dentro do mosquito, mas não há evidências de transferência para humanos, porque os mecanismos usados para inserir o gene nos mosquitos é desativado.
9. Potencial de transmissão do gene letal para outras espécies: risco insignificante
O cruzamento do mosquito da dengue com outras espécies é muito rara, porque os órgãos genitais de diferentes espécies são incompatíveis. Nos raros casos de cruzamento, os híbridos formados não se desenvolvem.
10. Machos transgênicos poderiam se auto-replicar: risco insignificante
Apesar de alguns animais serem capazes de se auto-replicar, tanto por clonagem, brotamento ou outros mecanismos, nunca foi observado nenhum desses comportamentos em insetos.
Então, com tantos riscos, por que os mosquitos transgênicos já estão sendo liberados? De acordo com pesquisas realizadas após introduções experimentais, os benefícios para a população obtidos com esse método são muito maiores que os potenciais riscos. Veja mais detalhes aqui [6]
1. Redução da necessidade do uso de inseticidas
Como as larvas com o gene letal morrem, o número de mosquitos adultos deve diminuir, diminuindo a necessidade de inseticidas.
2. Diminuição da ocorrência de casos de dengue
Se o número de insetos diminui drasticamente, o vírus que causa a dengue não deve ser mais espalhado tão facilmente.
3. Diminuição dos custos
Mesmo que o custo de produção de mosquitos transgênicos sejam altos, eles ainda são muito menores do que o custo do tratamento das pessoas com dengue. Então, o investimento total seria menor.
Como vocês podem ver, ainda existem questões a serem melhor estudadas e existem potenciais riscos associados aos transgênicos. Por outro lado, também existem potenciais benefícios principalmente para saúde pública. O assunto ainda está longe de ser consenso e certamente muito ainda precisa ser estudado e debatido. O mais importante é conhecer os fatos para poder dar os devidos pesos aos riscos e benefícios dessas novas tecnologias.
Box Como são feitos os mosquitos transgênicos? O gene que causa a morte das larvas do mosquito (gene letal) é inserido nos ovos de um mosquito “normal” (selvagem). Esse gene se liga ao DNA presente nas células do embrião usando técnicas de engenharia genética [7]. Após o desenvolvimento do embrião, o gene produz uma molécula (proteína) que interfere na atuação de outros genes essenciais para o funcionamento normal das células, levando à morte da larva. Então, como os machos transgênicos chegam à fase adulta para serem liberados nas cidades? |
Referências
[1] http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2014/julho/31/Dengue-classica-at—2013.pdf
[2] Massonnet-Bruneel, B., Corre-Catelin, N., Lacroix, R., Lees, R. S., Hoang, K. P., Nimmo, D., … & Reiter, P. (2013). Fitness of transgenic mosquito Aedes aegypti males carrying a dominant lethal genetic system. PloS one, 8(5), e62711.
[3] Phuc, H. K., Andreasen, M. H., Burton, R. S., Vass, C., Epton, M. J., Pape, G., … & Alphey, L. (2007). Late-acting dominant lethal genetic systems and mosquito control. BMC biology, 5(1), 11.
[4] Beech, C. J., Nagaraju, J., Vasan, S. S., Rose, R. I., Othman, R. Y., Pillai, V., & Saraswathy, T. S. (2009). Risk analysis of a hypothetical open field release of a self-limiting transgenic Aedes aegypti mosquito strain to combat dengue. Asia Pacific Journal of Molecular Biology and Biotechnology, 17(3), 99-111.
[5] Patil, P., Alam, M., Ghimire, P., Lacroix, R., Kusumawathie, P., Chowdhury, R., … & Aung, M. (2012). Discussion on the proposed hypothetical risks in relation to open field release of a self-limiting transgenic Aedes aegypti mosquito strains to combat dengue. As. Pac. J. Mol. Biol. & Biotech, 18(2), 241-246.
[6] Morris, E. J. (2011). Open field release of a self-limiting transgenic Aedes aegypti mosquito strain to combat dengue- a structured risk-benefit analysis. Asia-Pacific Journal of Molecular Biology and Biotechnology, 19(3), 107-110.
[7] http://www.nature.com/scitable/topicpage/transposons-the-jumping-genes-518
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