Nos textos deste mês conversamos sobre a produção de alguns alimentos e bebidas comuns que ocorrem devido à atuação de bactérias e fungos. E não são só esses itens que são produzidos com a ajuda de micro-organismos. Muitos outros produtos importantes para o ser humano são resultado da atividade microbiana. Hoje falaremos sobre a enzima β-galactosidase, também conhecida como lactase.

A lactase é utilizada na indústria farmacêutica e de alimentos. Seu uso está relacionado à intolerância à lactose, uma condição que pode afetar pessoas em qualquer faixa etária em maior ou menor grau. As pessoas intolerantes à lactose apresentam dificuldade em digerir a lactose, que é o açúcar presente naturalmente no leite. O organismo humano geralmente é capaz de produzir a lactase. No entanto, algumas pessoas não produzem esta enzima ou apresentam uma produção reduzida, outras, podem ir reduzindo a produção ao longo da vida. Assim, a hidrólise (ou quebra) da lactose fica prejudicada, caracterizando a condição de intolerância. Por isso, muitas pessoas acabam se privando da ingestão de leite in natura ou de produtos lácteos. A ausência destes alimentos na dieta pode resultar em problemas de saúde, dentre os quais a osteoporose é o mais comum devido à deficiência na ingestão de cálcio.

A intolerância se caracteriza por um quadro com vários sintomas que variam entre cólica, flatulência, dores abdominais, distensão abdominal e diarreia. Quando a lactose chega intacta ao intestino grosso, ela é fermentada pelas bactérias que normalmente habitam este local. Como resultado da fermentação há a liberação de gases (como metano, dióxido de carbono, hidrogênio e nitrogênio) e ácidos (ácido lático e acético). A presença de gases é responsável pela distensão abdominal e os ácidos alteram o pH intestinal, tornando o ambiente mais acidificado. Essa acidez elevada altera a contração do intestino, fazendo com que não ocorra uma correta reabsorção de água, o que resulta na diarreia.

A enzima lactase é utilizada justamente para auxiliar nesta condição, atuando na quebra da lactose do leite, permitindo que as pessoas consumam estes produtos.

A lactase pode ser produzida por bactérias e fungos, além de estar presente em plantas e animais. Industrialmente, a lactase mais utilizada é obtida a partir de fungos leveduriformes e filamentosos, especialmente dos gêneros Kluyveromyces e Aspergillus, respectivamente.

A produção pode se dar de forma intra ou extracelular. Na primeira condição a enzima está dentro da célula fúngica e nesse caso a indústria aplica um processo de ruptura celular para conseguir extrair a enzima. A forma extracelular é relativamente mais simples de ser obtida, pois o fungo produtor da lactase se multiplica em um meio de cultura no qual se encontram os nutrientes necessários para isso. Com sua multiplicação (aumento no número de células) vários produtos são liberados no meio de cultura e um deles é a lactase. A enzima é extraída deste meio, purificada e colocada à disposição da indústria.

Para que o leite seja do tipo “sem lactose” ou “zero lactose”, é importante que o consumidor saiba que o leite possui naturalmente a lactose em sua constituição. Sendo assim, a lactose não foi retirada desses produtos, mas sim transformada. Mas transformada como e no que? Nesses casos, o leite é colocado em contato com a lactase, que faz a reação de hidrólise, ou seja, transforma a lactose em glicose e galactose, que também são açúcares. No entanto, esses açúcares são absorvidos pelas pessoas intolerantes sem causarem problemas.

A hidrólise da lactose também pode ser realizada de forma química, no entanto, a grande maioria dos processos na indústria de alimentos é realizada enzimaticamente (com a aplicação de lactase). A principal explicação para a realização deste processo desta forma está no fato da hidrólise enzimática não acarretar subprodutos que irão alterar as características do leite como sabor, aroma e cor não aceitáveis pelo consumidor.

Esta mesma enzima é comercializada pela indústria farmacêutica em forma de pílulas, cápsulas e até mesmo comprimidos mastigáveis para serem consumidos por pessoas intolerantes que fazem consumo de leite e lácteos. Assim, a pessoa que não produz a lactase naturalmente em seu organismo, pode contar com um produto de origem fúngica que irá realizar a quebra da lactose presente no leite ou derivados lácteos que consumir.

Como vimos nos textos deste mês, é importante que todos saibam que os micro-organismos estão divididos em vários grupos e são seres que também atuam em nosso benefício. É comum relacionarmos esses seres a doenças ou a processos de deterioração de alimentos e objetos, mas lembre-se: eles também atuam em nosso favor, especialmente na indústria farmacêutica e de alimentos!

 

Por Cínthia Hoch B. de Souza

cinthiahoch@yahoo.com.br

Referências:

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Imagem de capa: Freepik.

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