É muito comum ouvirmos as pessoas assobiando músicas no nosso dia-a-dia. Mas você sabia que também existem línguas que são assobiadas? Elas são simplesmente formas assobiadas de línguas orais. Assim como você pode usar uma língua sussurrando, gritando ou cantando, algumas línguas também podem ser usadas com assobios. [1]

Línguas assobiadas se desenvolvem naturalmente em resposta à necessidade de pessoas de se comunicar em condições de isolamento (por causa de distância ou barulho excessivo, por exemplo) e em atividades específicas (como pastoreio, caça ou cortejo). Isso acontece por causa da forma como as ondas físicas dos assobios viajam pelo espaço – em alguns casos, é muito mais fácil ouvir uma pessoa assobiando do que falando. Vales, por exemplo, são ótimos lugares para se comunicar assim, pois eles ajudam o som a se propagar por longas distâncias. Em La Gomera (uma ilha do arquipélago das Canárias), os assobios são compreensíveis a uma distância de até 8 km! Também podem-se encontrar línguas assobiadas, por exemplo, no sul da China, na Papua-Nova Guiné, na França e até mesmo na Floresta Amazônica.

Na fala assobiada, os assobios se modulam de acordo com características em comum com o seu equivalente oral (falado). Dependendo do tipo de língua, a frequência e o tom dos assobios correspondem a fonemas específicos ou a características suprassegmentais  da língua (leia mais no box abaixo).

Com a articulação dos assobios, a fonética e a fonologia da língua são afetadas. Assim, alguns consideram a forma assobiada uma simplificação da língua oral correspondente. Por exemplo, em algumas línguas tonais (nós falamos um pouco sobre elas aqui), os assobios não reproduzem vogais; reproduzem apenas tons e semivogais. Além disso, em línguas não-tonais, pode ocorrer uma redução do número de vogais representadas pelos assobios.

silbo-gomera-lingua-assobiada-ciencia-informativa No entanto, apesar dessas restrições, as formas linguísticas assobiadas são muito complexas! Elas refletem o vocabulário básico da língua vocal, e possuem potencialmente a mesma riqueza. Além disso, foi provado que as áreas do cérebro de produção e de percepção linguística (áreas de Broca e de Wernicke, respectivamente) são ativadas em assobiadores proficientes quando estão escutando a sua língua assobiada [2]. Por fim, bons assobiadores de línguas não-tonais podem até reconhecer fonemas de sua língua nos assobios de outras línguas!

Apesar de essas línguas serem extremamente interessantes e possuírem cargas culturais muito importantes, muitas delas estão morrendo. Fatores como a diminuição de atividades como o pastoreio, o êxodo rural e a depreciação de culturas locais estão colocando muitas línguas assobiadas perto da extinção. Felizmente, também existem esforços de algumas comunidades para reavivar as suas culturas. Nas Ilhas Canárias e em alguns grupos indígenas do México, por exemplo, há projetos educacionais e voluntários que impedem que tradições locais como a fala assobiada desapareçam.

Se você quiser ouvir um exemplo de língua assobiada, veja este vídeo, que mostra um pouco do silbo gomero, que é falado em La Gomera, mencionado ali em cima.

E você, gosta de assobiar?

Thomaz Offrede

Traços segmentais e suprassegmentais

Os traços segmentais de uma língua são os seus fonemas, que podem ser divididos, ou seja, segmentados (como /a/ ou /d/). Os traços suprassegmentais são os que se estendem por palavras ou frases (como a acentuação tônica e a entonação).

Referências

[1] Meyer, J., & Gautheron, B. (2006). Whistled Speech and Whistled Languages. Em Elsevier, Encyclopedia of Language and Linguistics, Second Edition (pp. 573-576). Oxford: Elsevier. [2] Carreiras, M., Lopez, J., Rivero, F., & David, C. (Janeiro de 2005). Neural processing of a whistled language. Nature, pp. 31-32.

2 Replies to “Falar, gritar, sussurrar… e assobiar!”

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