Desde o fim de 2016, a mídia tem divulgado diversas notícias sobre uma técnica que tem o potencial para curar doenças que eram consideradas incuráveis até então. Alguns exemplos dessas doenças são HIV, câncer, distrofia muscular, hemofilia e doenças cardíacas. Se você não viu essas notícias, veja alguns links no final desta página.

Essa técnica é chamada de CRISPR/Cas9 e permite que os cientistas façam correções ou alterações de forma muito específica e precisa no DNA. Ela foi desenvolvida em 2012 e vem se popularizando por ser mais barata e mais rápida do que as outras técnicas de edição do DNA. Apesar da grande repercussão dos estudos desenvolvidos nos últimos anos e das grandes perspectivas de revolução na área da saúde, pouco tem sido divulgado sobre a técnica em si.

Neste texto, não tenho a pretensão de explicar em detalhes os mecanismos moleculares envolvidos na aplicação dessa técnica. Isso exigiria um conhecimento prévio de biologia molecular, genética e biologia celular. Entretanto, é possível entender em linhas gerais quais são os princípios e requisitos para seu uso e quais são os desafios e os resultados esperados para o futuro.

O CRISPR/Cas9 é um sistema que requer duas peças principais: uma proteína capaz de cortar DNA e um pequeno RNA-guia, que indica qual parte do DNA deve ser cortada pela proteína (veja a figura abaixo). Essa proteína não foi inventada; ela existe há milhões de anos dentro de bactérias e foi descoberta em 1987. Naquela época, ninguém pensou em uma aplicação direta, mas, hoje, aplicações nas áreas de biotecnologia e saúde são bem evidentes. Já o RNA-guia pode ser produzido em laboratório, de acordo com a necessidade do pesquisador, para identificar uma sequência de DNA de interesse.

Sistema CRISPR /Cas9 atuando sobre o DNA. Fonte: ABC News.
Sistema CRISPR /Cas9 atuando sobre o DNA. Editado de ABC News.

Para modificar um pedaço de DNA, a proteína e o RNA-guia precisam ser inseridos na célula. Isso pode ser feito de diversas maneiras, como, por exemplo, com o uso de uma injeção, com choques elétricos ou ainda com o uso de alguns vírus especiais capazes de transportar esses elementos. Uma vez dentro da célula, a proteína liga-se ao RNA-guia e esse conjunto liga-se à região específica do DNA que deve ser cortada e alterada. A própria célula tem ferramentas para fazer o reparo do DNA cortado.

Os cientistas ainda têm alguns desafios para tornar essa técnica comercial e aplicável em hospitais para tratar ou curar doenças. Um dos desafios é tornar mais eficientes os mecanismos de inserção das peças do sistema CRISPR/Cas9 na célula. O uso de choques elétricos nas células é barato e simples, mas tem uma taxa de sucesso muito baixa (25%).

Existem técnicas mais eficientes, como a injeção direta das peças do sistema dentro da célula. Um experimento mostrou que a taxa de sucesso pode chegar a 100%. O problema é que nem sempre é possível injetar célula por célula, especialmente quando o objetivo é tratar uma pessoa adulta. Uma alternativa é o uso de vírus para transportar as peças do sistema, porque alguns vírus têm preferência por infectar apenas o órgão alvo do tratamento e eles podem infectar células adultas. O problema desse método é o alto risco de alterações indesejáveis em outras partes do DNA.

Outro grande desafio a ser vencido são exatamente as alterações no DNA que não foram planejadas. Algumas dessas alterações podem levar a problemas metabólicos, deficiências fisiológicas ou mesmo outras doenças, como o câncer.

Existem diversos grupos de pesquisa trabalhando intensamente para superar esses e outros desafios. Para isso, é necessário fazer testes em animais, em embriões e em pacientes voluntários. Também ainda são necessários um extenso debate ético e a elaboração de uma legislação para a alteração de DNA em adultos e embriões.

Estamos vivendo um momento de revolução na área da saúde humana. Então, continuem acompanhando as notícias e, se você quer saber mais sobre esse assunto, escreva pra gente e diga o que te interessa. Faremos o possível para traduzir a ciência para você!

Quer saber mais sobre como alterações no DNA podem mudar nosso mundo? O vídeo abaixo mostra algumas possibilidades.

Notícias:

https://oglobo.globo.com/sociedade/ciencia/pela-primeira-vez-edicao-genetica-em-embrioes-previne-doenca-hereditaria-21659646

http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/pesquisadores-anunciam-ter-eliminado-hiv-em-animais-usando-tecnica-de-edicao-de-dna.ghtml

http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/10-avancos-e-1-promessa-da-tecnica-crispr-de-edicao-do-dna.ghtml

https://brasil.elpais.com/brasil/2017/07/27/ciencia/1501150753_958985.html

 por Patricia S. Sujii

sujiips@gmail.com

Referências:

Cornu, T. I., Mussolino, C., & Cathomen, T. (2017). Refining strategies to translate genome editing to the clinic. Nature Medicine23(4), 415-423.

Jinek, M., Chylinski, K., Fonfara, I., Hauer, M., Doudna, J. A., & Charpentier, E. (2012). A programmable dual-RNA–guided DNA endonuclease in adaptive bacterial immunity. Science337(6096), 816-821.

Ma, H., Marti-Gutierrez, N., Park, S.W. et al. (2017). Correction of a pathogenic gene mutation in human embryos. Nature.

Schneller, J. L., Lee, C. M., Bao, G., & Venditti, C. P. (2017). Genome editing for inborn errors of metabolism: advancing towards the clinic. BMC medicine15(1), 43.

Fonte da figura do texto: ABC News http://www.abc.net.au/news/science/2016-04-07/crispr-gene-editing-technology-explainer/7217782

Fonte da figura de capa: NIH Image Gallery

2 Replies to “CRISPR/Cas9, a técnica que promete mudar a medicina”

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